[Alquimistas e utópicos]


Na passagem que citámos no outro post, do diálogo entre o filósofo e o banqueiro, a dada altura, o primeiro (Roger-Pol Droit) faz alusão ao sentido utópico de todas estas engenharias financeiras dos nossos dias.

«Je ne sais si l'épisode récent de développement de mutation du monde financier que vous avez décrit ressemble plus à la pierre philosophale ou aux utopies. Mais, en tout cas, il s'agit bien d'un processus analogue. L'étonnant, c'est qu'il soit survenu dans le monde financier, et précisément après 1989 et la chute du mur de Berlin. Peut-être ai-je maintenant la possibilité de quelques premières remarques».

É esta convicção de tudo servir para um futuro radioso, baseada na crença do controle científico do modelo, que os torna cegos perante as catástrofes. Como se o mundo não fosse mais que um futuro em potência, num presente que nasce do nada, perfeito e holístico.

Esta mesma ideia do non-sense utópico, prometido pelos alquimistas financeiros, já tinha sido usada aquando da dupla catástrofe das bolhas francesa e inglesa, no ano de 1720, com antecedentes na Holanda.

A deliciosa gravura que se segue, no seu intuito de satirizar a bolha do Mississípi, ilustra-o bem.


Het Groote Tafereel der Dwassheid... (The Great Mirror of Folly)- 1720
No título pode ler-se: “Representation of the very famous island of Mad-head, lying in the sea of shares, discovered by Mr. Law-rens, and inhabited by a collection of all kinds of people, to whom are given the general name shareholders.”

Como consequência da ganância, todos aqueles investidores que ficaram a arder, são encaminhados para a Ilha da loucura. Uma distopia à outrance do mundo perfeito que a especulação descabelada prometia. Como moto em pendant- as trevas- uma coruja diz que é delas que gosta e o gato que só caça de noite.

O que tem mais piada, é o facto do autor anónimo da gravura oitocentista se ter inspirado para a figuração da cabeça do louco com capuz, na própria forma de cabeça lunar da ilha de Thomas More , com a sua capital “que não se vê”- a ctónica Amaurote, por sua vez uma contra utopia irónica, ainda que bem disfarçada.

  • Para a tradução em inglês e explicação dos detalhes, ver aqui.
  • Imagem: Anubis mago- Heather Tweed

Um clássico é sempre um clássico. Aqui fica a reposição da putona da galinha.



De seguida voltamos às bolhas da finança.

A Marquesa de Carabás confessa ao caro Ega que não faz ideia de quem é o Matateu mas que, ainda assim, o Ronaldo pelo menos não levava brincos.

Algo me diz que o Matateu sempre sabia quem era o Gato das Botas.

Mercury (loquitur). The mischief a secret any of them know, above the consuming of coals and drawing of usquebaugh! howsoever they may pretend, under the specious names of Geber, Arnold, Lulli, or bombast of Hohenheim, to commit miracles in art, and treason against nature! As if the title of philosopher, that creature of glory, were to be fetched out of a furnace! I am their crude and their sublimate, their precipitate and their unctions; their male and their female, sometimes their hermaphrodite—what they list to style me! They will calcine you a grave matron, as it might be a mother of the maids, and spring up a young virgin out of her ashes, as fresh as a phœnix; lay you an old courtier on the coals, like a sausage or a bloat-herring, and, after they have broiled him enough, blow a soul into him, with a pair of bellows! See, they begin to muster again, and draw their forces out against me! The genius of the place defend me!"
Ben Jonson,Mercury vindicated from the Alchymists, 1616


Era assim que o dramaturgo britânicoBen Johnson resumia a charlatanice do tempo, em mascaradas e comédias alegóricas, onde os alquimistas iam para a berlinda.

No texto citado no post anterior , Roger-Pol Droit também refere as magias financeiras e suas derrocadas como arte de alquimistas dos novos tempos.
Esquece-se é que foi precisamente por esse nome que foram gozados desde a bolha das túlipas na Holanda, passando pelas duas catástrofes simultâneas - a bolha do Mississipi, e a dos Mares do Sul, em Inglaterra, no ano de 1720, como contámos aqui.

O próprio Bem Johnson incluía nesse rol de “alquimistas” os charlatães adoradores de Mammon, sempre acompanhados do “séquito mercurial” (ver: Cynthia Revels (1601) e Mercury vindicated from the Alchymists ).

Era com o uso de mercúrio que se sonhava com a transmutação dos metais e a descoberta do lápis- a pedra dos filósofos. E foi também com o uso de mercúrio amalgamado que se passou a fabricar a liga de prata que, a par da política de livre cunhagem, levada pelos marranos portugueses para a Holanda, esteve na base da expansão monetária e das primeiras grandes crises financeiras.

E é também pelo mesmo motivo que as gravuras satíricas, destas desgraças de que agora tanto se fala, incluíam o divino Mercúrio aprisionado, como na sátira do Arlequim Accionista, ou mesmo a pedir esmola, enquanto o expert John Law soltava gargalhadas pela venda de ar e o accionista se lamentava do engano.



A fraude financeira assemelhava-se a uma demoníaca tentação e engano. As gravuras repescavam iconografias antigas, fazendo-a figurar como uma quimera ou monstro ctónico- semelhante a um Anúbis mercuriano, como acontece neste exemplo.
O predador da ilusão e das trevas (antepassado de um yuppie lobisomem), deita-se sobre o saco das acções- ventos do dia seguinte, emparelhando com uma aterrorizadora Equidna.[De laggende Law, de treurende actionist met de smekende Mercurius. [Law laughing, the shareholders mourning, and Mercury entreating.] Publicada em Amsterdão, 1720]

No fim, tal como sucedeu uns séculos mais tarde na América e de forma bem real, com os internamentos kellog para banqueiros em ressaca, também acabavam em caricaturas de maluquinhos, oferecendo as cabecinhas pensadoras à extracção de outra pedra- a da loucura.

Pena é que nunca se aprenda com a História e muita falta faz hoje em dia este talento artístico e literário para o relatar.













(F.H.)- Il y avait donc un décalage de chronologie entre ce que les professionnels voyaient, à savoir la baisse du risque sur les crédits des générations précédentes, et ce qu'ils faisaient, à savoir des générations de crédits nouveaux beaucoup plus risqués.


R.-P. D. - N'y a-t-il pas, au cœur de tout cela, une perte grave du sens des limites? On était persuadé que tout pouvait continuer indéfiniment : la croissance était possible sans fin, les risques pouvaient diminuer indéfiniment, comme si non seulement l'aléa pur et simple du hasard, mais aussi la réalité de la rareté avaient radicalement disparu !


F. H. - Et aussi l'expérience séculaire du caractère cyclique du capitalisme qui était oubliée !


R.-P. D.- Cette perte des limites est aussi une sorte de désincamation et d'abstraction généralisées.


F. H. - Absolument! On ne gérait plus les crédits dans un dialogue entre un emprunteur et un banquier qui se connaissent, on raisonnait sur de grandes séries statistiques; on construisait des modèles mathématiques pour projeter les flux financiers d'un « portefeuille » de crédits anonymes.
Tous ces produits reposaient en effet sur un appareil statistique et mathématique extrêmement développé, qui a donné à tous les opérateurs le sentiment d'une grande sécurité. Or, elle était illusoire, car on appliquait un référentiel statistique dépassé, celui des dernières décennies du XXe siècle, qui était associé à des niveaux d'endettement et à des types de populations endettées beaucoup moins risqués.
Cette « illusion d'optique » était renforcée par le mode de construction des modèles probabilistes qui sous-tendaient à la fois la structuration des véhicules de titrisation et la gestion des produits dérivés. En effet, lorsqu'on distribue les probabilités d'occurrence d'un événement aléatoire, on obtient des courbes en «cloche», des courbes dites de Gauss, du nom d'un mathématicien allemand du début du XIXe siècle.

Pour que les modèles fonctionnent, il faut les borner, car malgré la puissance accrue des ordinateurs, les « arbres de probabilité » ne peuvent pas être simulés à l'infini. On a donc coupé les deux extrémités de ces courbes, réputées non signifiantes parce que associées à des probabilités très faibles, et on a construit les modèles sur la partie centrale de la courbe en cloche.

Ainsi, nous nous sommes reposés, aveuglément, sur des outils mathématiques qui, d'une part, étaient construits à partir de données statistiques issues d'une époque dont les paramètres financiers n'étaient pas les mêmes que ceux que nous étions en train de « fabriquer », et qui, d'autre part, éliminaient les probabilités les plus faibles, c'est-à-dire les scénarios « catastrophiques ».
Double fragilité issue d'un même optimisme aveugle ! Ce n'était probablement pas un hasard si, au même moment, se développaient, notamment aux Etats-Unis, des philosophies d'un monde « sans histoire », en phase avec une économie supposée sans cycles et une finance présumée sans crises !


R.-P. D. - Par la raison, on était donc persuadé d'avoir enfin engendré le meilleur des mondes...


F. H.- Le meilleur des mondes reposait aussi, en définitive, sur l'hypothèse, admise a priori par tous, que chacun des acteurs de ce système complexe, qu'il soit banquier, juriste, assureur ou « notateur », était à la fois compétent, rationnel, intègre et prudent.
Hypothèse « forte » pour employer un terme mathématique, très forte, beaucoup trop forte!
Hypothèse bien accordée à l'optimisme résolu de la philosophie « comportementale » américaine.
Hypothèse validée par l'expérience des premières années de ce siècle, qui combinaient accélération de la croissance, développement des pays émergents, augmentation continue du prix de tous les actifs... et enrichissement prodigieux des banquiers et financiers !
Pendant cet âge d'or, banquiers et financiers croyaient vraiment avoir trouvé la pierre philosophale ! Oubliant au passage la constatation faite dans les années 1970 par le prix Nobel d'économie David Kahneman qui, dressant la liste des hypothèses sur la nature humaine qui fondent implicitement les modèles économétriques, consta ait que presque aucune d'entre elles n'est validée par la réalité de la vie !


R.–P. D. - N'oublions pas que la pierre philosophale au centre de l'histoire de l'alchimie, que Ion appelait aussi «pierre des sages», constitue une croyance à la fois rationnelle et magique. Cette croyance mobilisait des savoirs traditionnels - portant sur la matière, sur le métaux,les oxydations, etc. - maïs pour un but qui, en dehors de cette croyance, n'en apparaît pas moins comme purement magique: transformer le plomb en or, acquérir Immortalité, accéder au bonheur éternel. Les contextes historiques sont radicalement différents, mais entre les buts poursuivis par l'alchimie et ce que vous décrivez des mutations financières des dernières années, il y a une frappante similitude. Dans les deux cas, il s'agit bien d'imaginer que la connaissance rationnelle peut fournir la clé dune expansion perpétuelle, universelle et illimitée.


F. H . - Perpétuelle, universelle et illimitée. Les trois termes, les trois adjectifs sont exacts. Voilà l’ hypothèse implicite qui sous-tendait ces sept années de croissance, d'effervescence et de prospérité. Et comme cela générait dans le monde entier une richesse bien réelle, et sans précé- dent, presque tout le monde a cru que la pierre philosophale, cela marchait.


R.-P. D.- Comme vous le savez, chaque fois que l'on croit détenir l'accès à un univers stable, prospère, à l'abri de tout accident, l'adhésion à cette croyance est particulièrement forte. Ellel'est plus encore quand la clé de ce monde parfait est supposée être rationnelle. Et quand les faits paraissent confirmer durablement cette illusion, pourquoi donc voudrait-on s'en défaire? C'est sur ce modèle, en fin de compte, que se sont constituées toutes les utopies qui accompagnent l'histoire du développement occidental - depuis la République de Platon jusqu'au phalanstère de Fourier, en passant par Thomas More, Campanella, Cyrano de Bergerac, Morelli et tant d'autres, en particulier les socialistes du xix6 siècle - non seulement Fourier, mais aussi Cabet, Owen.

Le point central, à mes yeux, dans ces doctrines évidemment différentes, c'est toujours le fantasme d'en finir avec l'Histoire. Celle-ci est faite de hasards, d'approximations, de processus imparfaits, aléatoires et opaques. L'utopie, qui veut en finir avec ce chaos, n'est donc pas simplement le rêve généreux d'un monde meilleur.
Elle incarne le triomphe de la raison, supposée détenir enfin le moyen infaillible de mettre le monde en ordre, de rendre les hommes heureux et d'éliminer les déséquilibres et les contingences de l'Histoire. Elle calcule, contrôle, épure et reconstruit.


Je ne sais si l'épisode récent de développement de mutation du monde financier que vous avez décrit ressemble plus à la pierre philosophale ou aux utopies. Mais, en tout cas, il s'agit bien d'un processus analogue. L'étonnant, c'est qu'il soit survenu dans le monde financier, et précisément après 1989 et la chute du mur de Berlin. Peut-être ai-je maintenant la possibilité de quelques premières remarques.

Roger-Pol Droit et François Henrot, Le Banquier et le Philosophe, Plon, 2010.

Imagem: Anubis- Heather Tweed

Para alegrar a estação, a sub-comandanta Paulinha Bonaparte organizou um concurso na blogopolis, cujas regras passamos a descrever.

Entre os bloggers mais colunáveis da praça (e do mercado, também) todas as semanas é seleccionado um que reúna pedigree significativo, bem como reconhecimento nos jornais, televisões ou grupos políticos de think tanks (tanques de pensadores, em português).

Compete a este privilegiado receber um cobarde e reles anónimo que conspurque a patetopolis, desde que escondido atrás de algum pseudónimo igualmente notável, a todos os títulos.

Depois do faustoso repasto oferecido pelo pedigree a descoberto, cabe ao miserável anónimo revelar qualquer talento desconhecido - tanto podendo ser no ramo da restauração como em habilidades cantoras, sapateado, dança de salão, ou mesmo reparos domésticos, desde que os resolva em tempo útil.

Se esses 15 minutos de fama recatada forem votados positivamente pelo anfitrião, na semana seguinte um novo mundo virtual aguarda o ex-cobarde anónimo.


Para número piloto foi seleccionado o notável blogger João Távora a quem coube a recepção a um dos reles anónimos do grupo Valupi . Eles são muitos, mas a sorte calhou ao do meio.

Apesar do espírito nonchalant da nossa equipa de filmagens, podemos assegurar que a iniciativa teve o seu frisson.
O musaranho estava lá e captou o momento em que a criada que viu nascer o menino Távora , a senhora Educadinha, como é carinhosamente tratada pela família, abre a porta ao ainda cobarde e reles anónimo do clã dos Valupi .

Como terá decorrido o repasto e que talento terá sido exibido?
Para essas e outras revelações, aguarde pelo relato de ambos os participantes.






Como se não bastasse tanta possidonice com o luto nacional pelo Saramago, ainda anda por aí um grupo de escuteirinhos blogotontos, de apêndices nasais postiços, a insultarem o Ezra Pound, não vá a memória poética ofuscar o superior dom humanista do futuro candidato a Nobel da Paz que eles patrocinam- esse guia mirim que dá pelo nome de Benjamin Netanyahu




e logo a granel que aquilo é só haréns para sabotarem o bom do Estado Social dos outros.







Mas, ainda assim, estes tiveram sorte de não apanharem por lá com umas Esteres e umas hienas do mato que tratassem de deportar para as suas terrinhas do terceiro mundo todos aqueles potenciais terroristas e perigosos anti-semitas.























Até ao esfíncter ou à garganta, sei lá.




Mas façamos votos para que a Diana Mantra não tenha a mesma triste sorte do amiguinho e ainda venha conseguir crónica na Gina.
A piquena merece.







Pirata das imagens, brincalhão alquimista das tintas. Misturava pigmentos de alumínio, ferro e prata com folhas de ouro; juntava terebintina com fumo negro de calcinação; cera e ligamentos corrosivos e decapantes.
O verde Schweinfurt leva arsénio mas, como ele dizia- “é uma óptima cor; o veneno provoca algum dano, a arte não provoca nenhum”.


Freundinnen, 1965/66






oliveira do castelo de S. Jorge em Lisboa (fotografia do autor)



Mais um belíssimo texto do José Pinto Casquilho, a entrelaçar os sentidos míticos e biológicos das árvores.


As árvores, os seres vivos mais longevos do planeta, eram entes sagrados nas culturas antigas, investidos dos mais altos poderes simbólicos: desde o oráculo de Zeus em Dodona que se manifestava num carvalho, ao freixo sagrado Yggdrasil das culturas nórdicas, à presumida árvore do paraíso em que Cristo foi crucificado, ou ainda a figueira sob a qual Buda alcançou a iluminação. No seu sentido mais geométrico a árvore representa um eixo vertical ramificado nos extremos que liga dois infinitos opostos: o céu e a terra, e serve de referência ou guia do homem na sua caminhada para o conhecimento. A árvore sagrada era vista em diferentes culturas como o eixo do mundo, Axis Mundi, signo da regeneração da comunidade.
(…)
Que podemos dizer das árvores como figuras do tempo profano? São os seres vivos mais longevos do planeta, as deposições de lenhina na parede secundária das células dos tecidos do tronco fazem-na uma viga vascular encastrada no solo e os ramos suportam miríades de cloroplastos nas folhas e caules verdes onde se processa a fotossíntese. Pela parte da fisiologia das árvores nada a opôr à conjunção de dois infinitos ligados por um eixo, pois que na imensidão de raízes finas e pêlos radiculares a que se juntam o mais das vezes simbioses com fungos, micorrizas, de micélio virtualmente invisível, se absorve água e nutrientes, que translocados no xilema até às folhas à conta do fluxo induzido pela tensão da transpiração, alimentam a maquinaria da fotossíntese e do crescimento - os dois infinitos que se ligam através da estrutura mecânica e vascular, entre copa e raíz, entre luz e gravidade.

Infinitos são os raios de Sol que incidem nas folhas, como incontáveis serão as fibrilas que constituem as raízes no seu mergulho no solo.



Ora vá até ao Dragoscópio e aprecie bem aqueles contorcionismos do Doutor Estranho-Amor .

Se esbarrar no metro com uma moça de ar esfomeado, a pedir-lhe uma moedinha em troca de uns documentos falsos, não se assuste que não é drogada, nem trabalha para a Revista Cais. É a doutora da caixa dos pirolitos que cuida das causas singelas.

Pelos vistos, agora até despacham deputadas, em moradas muito alternativas, nos gabinetes de atendimento aos doentinhos mentais.

Ora vá ao Blasfémias e confirme quem andou a jurar pela alminha da casta Ilga que a deputada Inês Medeiros tinha mesmo apresentado morada da freguesia de Paris- França (não fica no Texas), com o mesmo número de recenseamento que tem noutra freguesia lisboeta, apesar de constar no MAI que está recenseada na cidade das luzes mas com número diferente.

Quem é que por cá terá usado pela primeira vez a expressão "espíritos jacobinos" referindo-se a uns conspiradores de uma certa cidade?

A propósito de um texto do jmf no Público, e do debate que se segui no Blasfémias , aqui ficam umas passagens magistrais de José Enrique Rodó (1872-1917) , que me vieram parar às mãos.


O jacobinismo e a necessidade de se retirarem os crucifixos dos hospitais, em nome do laicismo.
Novela antiga; esta foi a resposta escrita em 1906.


«Sentado el derecho que militaba para la permanencia, y militaría para la reposición, de las imágenes de Cristo, en las salas del Hospital de Caridad, paso á examinar las consideraciones con que el desconocimiento de ese derecho se autoriza.
Todos sabemos la razón falaz de libertad y tolerancia que se invoca para cohonestar la real intolerancia de la expulsión: se habla del respeto debido á las creencias ó las convicciones de aquellos que, acogiéndose á la protección del hospital, no crean en la divinidad de la imagen que verían á la cabecera de su lecho. La especiosidad de la argumentación no resiste al más ligero examen. Si de garantizar la libertad se trata, impídase, en buenhora, que se imponga ni sugiera al enfermo la adoración ó el culto de esa imagen; prohíbase que se asocie á ella ningún obligado rito religioso, ninguna forzosa exterioridad de veneración siquiera: esto será justo y plausible, esto significará respetar la inmunidad de las conciencias, esto será liberalismo de buena ley y digno de sentimiento del derecho de todos. Pero pretender que la conciencia de un enfermo pueda sentirse lastimada porque no quiten de la pared de la sala donde se le asiste, una sencilla imagen del reformador moral por cuya enseñanza y cuyo ejemplo—convertidos en la más íntima esencia de una civilización—logra él, al cabo de los siglos, la medicina y la piedad: ¿quién podrá legitimar esto sin estar ofuscado por la más suspicaz de las intolerancias?»

(...)
Mais à frente- o dedo na ferida na "liberdade idndividual", contra o sentido Histórico e colectivo de um povo:

«Para que la simple presencia de esa efigie sublevase alguna vez el ánimo del enfermo, sería menester que las creencias del enfermo involucrasen, no ya la indiferencia ni el desvío, sino la repugnancia y el odio por la personalidad y la doctrina de Cristo. Demos de barato que esto pueda ocurrir de otra manera que como desestimable excepción. ¿Podría el respeto por ese sentimiento personal y atrabiliario de unos cuantos hombres prevalecer sobre el respeto infinitamente más imperativo, sobre la alta consideración de justicia histórica y de gratitud humana que obliga á honrar á los grandes benefactores de la especie y á honrarlos y recordarlos singularmente allí donde está presente su obra, su enseñanza, su legadoinmortal?…»

Lo que la conciencia de un pueblo consagra, y aún más lo que la conciencia de la humanidad consagra como juicio definitivo y sanción perdurable, tendrá siempre derecho á imponerse sobre toda disonancia individual, para las manifestaciones solemnes de la rememoración y la gloria.
Hablemos con sinceridad; pensemos con sinceridad. Ningún sentimiento, absolutamente ningún sentimiento respetable se ofende con la presencia de una imagen de Cristo en las salas de una casa de caridad.»

E aqui- a génese do espírito jacobino- a legitimidade da intolerância:

«Pero el jacobinismo, que con relación á los hechos del presente tiene por lema: «La intolerancia contra la intolerancia», tiene por característica, con relación á las cosas y á los sentimientos del pasado, esa funesta pasión de impiedad histórica que conduce á no mirar en las tradiciones y creencias en que fructificó el espíritu de otras edades, más que el límite, el error, la negación, y no lo afirmativo, lo perdurable, lo fecundo, lo que mantiene la continuidad solidaria de las generaciones, perpetuada en la veneración de esas grandes figuras sobrehumanas—profetas, apóstoles, reveladores,—que desde lo hondo de las generaciones muertas iluminan la marcha de las que viven, como otros tantos faros de inextinguible idealidad.»


«Si la intolerancia ultramontana llegara un día á ser gobierno, mandaría retirar de las escuelas públicas el retrato de José Pedro Várela.—¿Qué importa que la regeneración de la educación popular haya sido obra suya? No modeló su reforma dentro de lo que al espíritu ortodoxo cumplía; no tendió á formar fieles para la grey de la Iglesia: luego, su obra se apartó de la absoluta verdad, y es condenable. No puede consentirse su glorificación, porque ella ofende á la conciencia de los católicos!—Esta es la lógica de todas las intolerancias.


La intolerancia jacobina—incurriendo en una impiedad mucho mayor que la del ejemplo supuesto, por la sublimidad de la figura sobre quien recae su irreverencia,—quiere castigar en la imagen del redentor del mundo el delito de que haya quienes, dando un significado religioso á esa imagen, la conviertan en paladión de una intolerancia hostil al pensamientolibre. Sólo ve en el crucifijo al dios enemigo, y enceguece para
la sublimidad humana y el excelso significado ideal del martirio que en esa figura está plasmado. ¿Se dirá que lo que se expulsa es el signo religioso, el icono, la imagen del dios; y no la imagen del grande hombre sacrificado por amor de sus semejantes? La distinción es arbitraria y casuística. Un crucifijo sólo será signo religioso para quien crea en la divinidad de aquel á quien en él se representa. El que lo mire con los ojos de la razón—y sin las nubes de un odio que sería inconcebible, por lo absurdo,— no tiene porqué ver en él otra cosa que la representación de un varón sublime, del más alto Maestro de la humanidad, figurado en el momento del martirio con que selló su apostolado y su gloria. Sólo una consideración fanática—en sentido opuesto y mil veces menos tolerable que la de los fanáticos creyentes,— podría ver en el crucifijo, per se, un signo abominable y nefando, donde haya algo capaz de sublevar la conciencia de un hombre libre y
de enconar las angustias del enfermo que se revuelve en el lecho del dolor.

¿Por qué el enfermo librepensador ha de ver en el crucifijo más de lo que él le pone ante los ojos: una imagen que evoca, con austera sencillez, el más sublime momento de la historia del mundo y la más alta realidad de perfección humana ¿Acaso porque ese crucifijo, puesto en manos de un sacerdote, se convierte en signo é instrumento de una fe religiosa?
Pero no es en manos de un sacerdote donde le verá, sino destacándose inmóvil sobre la pared desnuda, para que su espíritu lo refleje libremente en la quietud y desnudez de su conciencia...


José Enrique Rodó, Liberalismo y jacobinismo, 1906 (versão online )

Voltando às bolhas e aos ventos do carcanhol.

Desta vez, um casalinho delas: a francesa da Companhia do Mississipi e a inglesa, da Companhia dos Mares do Sul que deflagraram no ano de 1720 para as quais as sátiras literárias e artísticas recorreram à memória das túlipas, fazendo charges de empréstimo.


Arlequin Actionist, Amsterdam, 1720, frontespício original de 1651, republicação de 1720(Prints and Drawings -British Museum)

Na gravura onde se adapta a comédia de origem holandesa- do Arlequim Accionista (Pieter Langendijk (1683-1756), a escatologia da ganância entra em forma de couves pela boca do grande financeiro John Law - o aventureiro inventor do papel moeda e responsável pela crise do Mississipi ) e sai papel de câmbio, multiplicado em despejo pelo traseiro- numa alusão ao Windhandel – o vendedor de ventos- da peça Nederland in Gekheid, wegens de Wind Negotie (Os Países Baixos vão ficar malucos por causa do negócio dos ventos).Neste caso, reciclando-os na multiplicação dos excrementos, feitos sacramentos, à boa maneira medieval.

O espectáculo da loucura passa-se em Paris, entre as ruas Quincampoix e de Veneza, local onde se transaccionavam os stocks do comércio. A loucura apresenta-se num palco, à boa maneira dos festejos carnavalescos da commedie del’arte, proporcionando à multidão sôfrega uma imensidade de peidos de papel milagreiro.

Bombario e Saramouche apresentam um palco pejado de cenouras e couves – numa troça às companhias monopolistas da mania (Kool, significando loucura- o ditado- não compre couves, não compre um saco de gatos) e as acções das cenouras - importadas pela Hoorn, na Holanda.
Estão à venda chapéus de malucos alemães, franceses e ingleses e num canto pode ver-se o especulador “mercuriano” aprisionado numa gaiola para passarões, a receber o ar na cabeça dos foles da loucura.
Está desesperado pela aragem o não absolver. Em baixo, uma ratazana dá o mote do simulacro do negócio- tem um saco de farinha a dizer “eu tenho dinheiro” e na pata uma acção onde se lê: “zero”.


Bernard Baron, de original de Bernard Picard, A Monument Deicated to Posterity, 1721 (British Museum)
Quando a bolha financeira rebentou em Inglaterra, os caricaturistas pediram-nas emprestadas aos holandeses e franceses e trataram apenas de lhes mudar uns detalhes, em torno das velhas alegorias da Fortuna e do Crédito.

No caso da gravura do Monumento dedicado à Posteridade, bastou mudar-se uns nomes, alterando as ruas francesas pelas inglesas onde se processava a especulação e acrescentando-lhe os asilos e hospitais, onde acabariam todos os burlados.

A trombeta da Fama ecoa e o séquito da multidão desgovernada segue a Fortuna, que mais se assemelha uma meretriz a fazer da Lady Pecunia da Carroça do Infortúnio- Nua e alegre, a todos vais distribuindo as “couves de papel”

Ao tom escatológico da anterior acrescenta-se este sentido de logro de prostitutas a que se associa a ganância dos especuladores.
As nuvens envolvem o espaço da vanidade dos discursos e do esfumar dos sonhos feitos de ar envenenado de Exchange Alley.
Sentada na carroça, vai a Loucura, oferecendo-se, qual Diana badalhoca, de lua em cima do toucado dos guizos de mãe bufa, com ampla crinolina a satirizar essa mistura entre moda e prostituição da sedução da bolha dos Mares do Sul.
Os vícios das perversões e fetiches do novo crédito acompanham os tempos e também se refinam.
A réplica inglesa de ainda incluiJohn Law , o responsável pela introdução do papel moeda em França, durante a regência do Duque de Orleães e também, ao que consta, pelas consequências desastrosas na bolha da Companhia do Mississipi.

Entre prostitutas, chulos e investidores, a dama da bolha recebe a corte de dependentes, com os judeus na primeira fila, como satirizavam as baladas da época.

Sad and joyful, high and low
Court Fortune for her graces
And as she smiles and frowns, they show
their gestures and grimaces
With Jews and Gentiles undismay'd,
Young tender Virgins mix,
Of Whiskers nor of Beards affraid,
Nor all their Cousening tricks.
Bright Jewels polished once to deck
The fair ones rising Breast
Or sparkle round her Ivory Neck
Lie pawn'd in Iron Chest.


Nesta mistura entre a copofragia dos financeiros, trocavam-se esperiências e saberes da mais antiga profissão com os novos dealers da “city”.


Young harlots, too, from Drury Lane
Approach the Change in coaches
To fool away the gold they gain
By their obscene debauches


Jonathan Swift também dedicou uns versos a este Leviathan- raça selvagem que se alimenta de naufrágios.

As fishes on each other prey,
The great ones swallowing up the small,
So fares it in the Southern Sea:
The whale directors eat up all.

There is a gulf where thousands fell,
Here all the bold advent'rers came;
A narrow sound tho' deep as hell,
‘Change Alley is the dreadfull name.
Nine times a day it ebbs and flows,
Yet he that on the surface lies,
Without a pilot seldom knows
The time it falls, or when ‘twill rise.
Subscribers here by thousands float,
And jostle one another down,
Each paddling in his leaky boat,
And here they fish for gold and drown.
Now buried in the depths below,
Now mounted up to heaven again,
They reel and stagger to and fro,
At their wits' end, like drunken men.
Meantime, secure on Garraway cliffs,
A savage race, by shipwrecks fed,
Lie waiting for the foundered skiffs,
And strip the bodies of the dead.

Jonathan Swift, 'The South Sea Project', 1721


William Hogarth-The South Sea Scheme, 1724


Hogarth não podia deixar passar a troça e várias foram as alusões ao desastre da bolha da Companhia dos Mares do Sul que foi fazendo ao longo das séries de colapsos de arrivistas e prostitutas no palco do teatro da vida.
A mais completa é a esta, datada de 1724.

O caos e a ruína abateram-se nas ruas de Londres . Ao centro, a roda do carrossel especulativo da Companhia dos Mares do Sul, encimada pelo bode da usura, faz rodopiar um nobre escocês mais um clérigo emparelhado com uma prostituta, no meio das bruxas do sabath. Uma inscrição pergunta ironicamente- quem é que conduz.

No alto do varandim as mulheres dirigem-se à "Casa dos Cornudos", para escolherem maridos e ao longe ainda se avista a catedral de Saint Paul.

À esquerda, o demónio, transformado em Saturno, esfarrapa com a gadanha o corpo da Fortuna, atirando os pedaços do corpo para cima da multidão.
Mais abaixo, as religiões ajoelham-se para uma partida de jogo entre um protestante, um católico e um judeu- “jogando aos dados o manto de Cristo”- enquanto a honestidade é partida à martelada na roda do Interesse Próprio e a Vilania chicoteia a Honra. Na parede da Direita foi erigido um memorial à morte do Comércio, detalhe a que os frenéticos adoradores de Mammon nem prestam atenção.

Consultar: the Bubble Project
John Laws Banque Royale

Sunk in Lucre’s Sordid Charms
Para a versão holandesa com as sátiras literárias
Clarence Mackay, Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds (London: Richard Bentley, 1841).

Anne Goldgar, Tulipmania: money, honor, and knowledge in the Dutch golden age, The University Chicago Press, 2007


E um magnífico estudo dos caricaturistas inglesas do século XVIII, que se recomenda: Mark Hallett, The spectacle of difference. Graphic satire in the age of Hogarth , The Paul Mellon Centre for Studies in British Art, Yale University Press, New Haven & London, 1999.




Li em qualquer parte num autor antigo, tratando deste poderoso rei que, no espaço de trinta anos, se divertiu conquistando e perdendo cidades, derrotando exércitos e sofrendo revezes à vez, expulsando príncipes das suas possessões e jogando à coca com os meninos. Depois, a sua diversão consistia em incendiar, devastar, saquear, assolar e matar súbditos e estrangeiros, amigos e inimigos, homens e mulheres. Conta-se que em todos os países, os filósofos se reuniam e discutiam seriamente as causas naturais, morais e políticas, procurando uma explicação para este fenómeno. Por fim, o vapor ou espírito, que animava o cérebro do herói, encontrando-se em perpétua circulação, confiscou aquela região do corpo humano, tão conhecida por alimentar a algalia ocidental, e, acumulando-se aí em forma de tumor, permitiu ao resto do mundo desfrutar um momento de paz. O que é, pois, de uma importância capital, é o lugar onde se fixam as exalações; e o que realmente carece de importância é o lugar de onde as exalações partem. Os mesmos vapores, que ao passarem pelas regiões superiores os fazem conquistar um reino, quando descem ao ânus manifestam-se numa fístula.

Jonathan Swift, O Conto de um Tonel (1704)