[Contrariando W. Benjamin]

Autor como performance/Assinatura como repetição



Francis Ford Coppola recordou a dificuldade em conseguir com que Marlon Brando começasse a trabalhar no set : «E, um dia, no quinto dia, cheguei e fiquei deslumbrado. Ali estava ele, e tinha cortado todo o cabelo, que é a imagem de Kurtz no livro. E eu disse-lhe, Marlon, o que é que aconteceu, isto quer dizer que vais fazer como Kurtz? Ele responde, sim, acho que vou fazê-lo como Kurtz do melhor modo. Respondi-lhe, mas tu disseste-me que isso não iria resultar, disseste-me que leste o livro e que nunca poderia resultar.
Ele respondeu, bem eu não li o livro, e eu disse-lhe, mas tu disseste-me que o tinhas lido, e ele respondeu, pois, mas menti”.

Douglas Gordon’s The Vanity Allegory (Exibition Checklist), Deutsche Guggenheim, 2005

9 comentários:

Laoconte disse...

vi mais do que cinco vezes esse filme e foi aí que aprendi uma nova dimensão da musica classica com imagens fantasticas como a "cavalgada de helicopteros". Para mim, a cena mais emocionante e que vai mesmo ao coração mais negro/trágico é quando o Kurtz expressava a sua compreensão sobre o porquê é que os inimigos vietcongs amputavam os braços das crianças que foram vacinados pelos americanos. Até hoje, essa violência figurativa me perseguia. Pena que os americanos e os seus aliados já esqueceram dos horrores dessa guerra.

Laoconte disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
zazie disse...

Viva, Laoconte,

Já não vejo o filme há muito tempo.

Na verdade, este foi um não-post
eheh

Ando sem tempo para o Cocanha e estava às voltas com as vanitas e o Douglas Gordon e este veio parar aqui porque já tinha digitalizado e traduzido o texto.

O que é curiosa é a verdade do livro ser encenada pelo instinto do Brando.

E ele é o Kurtz e é o filme.

José Pedro Veiga disse...

Essa cena ao som de Wagner é bem esgalhada; mas nada supera os quarenta minutos finais, quando o Marlon Brando entra em cena. Aquilo é uma coisa magistral.

(arrisco mesmo uma heresia: até acho que está uns bons furos acima do Don Corleone de que se fala sempre.)


E é curioso que o sacripanta do Brando tenha arrancado uma prestação daquelas sem pegar no "Heart of darkness" - porque o Kurtz dele não se limita a decalcar o Kurtz do livro. Desde logo, fisicamente: o Kurtz "literário" é baixo, magro, tem uma guedelha exuberante e é muito mais frenético e agitado do que o do filme. E, no entanto, o Brando captou o essencial: uma certa abjecção, aquele poder magnético e o modo de dar vida àquelas tiradas sublimes. Sabia da poda, o gajo.

zazie disse...

Podes crer. Sabia mesmo muito.

Para mim ele é o filme.

Mas este texto é da exposição do Douglas Gordon.

Encomendei as vanitas dele, numa caixinha linda que até tem um espelho numa fissura ao centro.

ehehe

Agora tenho estado a digitalizar uns postais com estes textos.

A tradução há-de estar um tanto tosca porque fui eu que a fiz.

Beijocas, malandro.

zazie disse...

Ah, caraças. Desculpe mas não reparei que era o Estoira-Vergas.

Pensei que fosse o Despastor de Rebanhos e tratei-o por tu.

Consigo não tenho essas confianças no trato mas não me pergunte porquê.

eheheheh

V.s usam esses acrónimos todos iguais e eu vi um J e pronto, fui logo para o afugentador de ovelhas, quando v. prefere estourar outras coisas.

José Pedro Veiga disse...

Ah, não se apoquente muito com isso. Nunca tive grandes pruridos a respeito das "deferências no trato", e ainda menos em contexto "virtual"; e se, na blogosfera, acabo por usar o "você" com quem não conheço é porque a esmagadora maioria desta gente tem idade para ser meu pai ou avô. É uma coisa que sai inconscientemente, sem dar por isso.

José Pedro Veiga disse...

Aliás, a falta de escrúpulos nessa matéria até já me rendeu umas peripécias caricatas, quando, em contexto mais académico, desatei a tratar "o" Hegel por tu ("o Hegel dizia que...") e a estender essas familiaridades aos reis ("o Afonso II fez isto", "o Sancho fez aquilo", e tal).

Mas, vá lá, ser confundido com o AJ nem é particularmente insultuoso. Se fosse confundido com o Jaquináceo ou com aquela trupe dos "jugulares", aí sim, ficaria ofendidíssimo - e outro galo cantaria.

zazie disse...

Ah, mas não. Ser confundido com o AJ é uma honra.

ehehehe

Eu não tenho regras no trato. É arbitrário mas depois não muda, torna-se um hábito.

E isso tende a acontecer de forma recíproca. Com umas é logo por tu, com outras logo por v. e fica assim.