• Dice un tratado coreano de cosmología que las nubes enloquecen se se coloca bajo ellas, y durante algún tiempo, un espejo horizontal. Y que de su miedo nacen las tormentas.
Rafael Pérez Estrada, Tratado de las Nubes, Sevilha, Editorial Renacimiento,1990.













Chaim Soutine, The Little Pastry Cook, c 1922 Oil on canvas 72 x 54 cm 28 1/3 x 21 1/4 in Musee de I'Orangerie Paris.

«Lembrar que um quadro - antes de ser um cavalo de guerra, uma mulher nua ou uma anedota qualquer - é essencialmente uma superfície plana recoberta de cores combinadas numa dada ordem».

Maurice Denis, "Definition du Néo-Tradionnisme", Art et Critique, Paris, 23 e 30 de Agosto de 1890. Citado em Herschel B. Chipp, Teorias da Arte Moderna, Martins Fontes, S. Paulo, 1996, pág. 90. [1ª edição americana: 1968].


1. Ia jurar que o Dawkins não era capaz de compreender isto. E o Pereira também não.

2. Como disse o Lenine, naquele texto inteligentíssimo, «tudo tem prioridades - primeiro a Revolução; depois a perseguição religiosa.»

3. Se um galináceo engolir um preservativo cheio de esperma contaminado com o vírus da SIDA e praticar sexo oral depois disso, quem vier a comer este segundo galináceo também pode ficar contaminado com o vírus da SIDA?


If a chicken swollows a condom full of HIV/AIDS infected sperm

and someone eats the chicken meat will that person get AIDS?



Rapto místico de S. Francisco de Assis para receber os estigmas de Cristo.

(Vicente Carducho- óleo, Hospital de S. Francisco de Assis, Madrid)

Vicente Carducho, nos Diálogos de la Pintura (1533) comparava o trabalho do artista original com o modo de pastar das cabras:

«porque van por los caminos de las dificultades inventando nuevos conceptos y pensando altamente, fuera de los usados y comunes; por sendas nuevas buscan por montes y valles, a costa de mucho trabajo, nuevo pasto para alimentarse, lo que no haeen las ovejas, que siempre siguen al manso, a quien son comparados los copiadores. De ahi se tomo el frasis de llamar, al pensamiento nuevo del pintor, capricho


Imagem adaptada do The Visual Telling of Stories

" ''Adulta'' non è una fede che segue le onde della moda e l'ultima novità"

Joseph Ratzinger



Não se esqueçam de meter o IRS.





Como se sabe e tornou bordão, o grande problema da sociedade moderna são os preconceitos.

Há-de ser por isso que por cá, o Instituto da Juventude e o Ministério da Educação patrocinam a boa da Rede Ex-Aequo para contribuirem na educação dos jovens portugueses, em sentido inverso ao maldito preconceito.

Para lá das palestras nas escolas, no seguimento da legislação para a educação sexual, que já havíamos falado aqui, também acampam e são muito cinéfilos.
Nos acampamentos, o incentivo ao despertar da homo ou bi-e-trans-sexualidade e demais variantes conhecidas ou por conhecer - é a finalidade, pois é bom que se torça o pepino logo de pequenino.

Já na cinefilia há que aliar a pedagogia ao lúdico e até ao frisson religioso.

Por exemplo- repare-se na sinopse do filme O Padre(Antonia Bird, 1995, 97m, GB) «Este filme explora alguns preconceitos religiosos muito provocantes tais como: o celibato, o incesto, o abuso sexual, a homossexualidade e o segredo do confessionário»

Aqui conta-se mais um pouco do enredo, com a menina de 14 anos no confessionário e o jovem padre a atacar nos bares gay.
Mas atenção, nada disto pode ser tido por estímulo pedófilo- essas coisas, como a rede de juventude esclarece, só acontecem em virtude dos preconceitos homofóbicos.

Felizmente que, para eles, até existe a Linha da Denúncia e legislação especial contra os crimes de ódio.

Ossos do ofídio




  • Ainda antes do Leviathan e dos tolinhos científicos que estão na calha e que também vêm a propósito, aqui fica uma reposição de post dedicada à zurraria dos acéfalos, montada nos jornais.
  • Neste caso à estranha irmandade acéfala- política ecientóina que deu em ajustar contas com o Papa.

Nas lendas das raças fantásticas misturam-se nomes e significados diferentes que, a dada altura, ainda tornam mais fabulosos os testemunhos e contos.



O caso dos blémios – povos acéfalos- com olhos, boca e ouvidos no peito, é paradigmático nas migrações que vai tendo ao longo dos séculos.
De relatos lendários do Oriente, passaram depois para o Ocidente, através de textos Ctésias de Cnido (séc. IV aC)- autor do De Indica, médico na corte do Rei da Pérsia Artexerxes II e vão continuar a ser vistos muito mais tarde.

manuscrito arménio- BNFEstes seres viviam sempre nas margens do mundo civilizado, saltitando para locais desconhecidos, à medida que esse mundo é trilhado pelos viajantes.
Migram para o Brasil- onde aparecem ao lado dos índios; associam-se à busca do El Dorado e ainda em finais do século XVI,

Sir Walter Raleight, assegurava tê-los visto- aos Ewaipanoma - na Guiana .














Quanto à sua natureza, bem como às das restantes raças fantásticas e seres monstruosos, S.to Agostinho formulou as principais questões teóricas que ainda são pertinentes - só podendo ser animais ou descendentes de Adão, a monstruosidade que nos impressiona derivava de não captarmos o sentido do Todo da Criação divina. Pelo que, no nosso parcelar entendimento, esta fealdade servia para nos retribuir a garantia na coesão da nossa própria humanidade.


Pelo meio, os acéfalos-blémios ainda foram associados ao homem selvagem. Os exemplares do fresco de uma igreja da Dinamarca, exemplificam, de forma praticamente exemplar esses relatos de gigantes marrecos, olhos esbugalhados; narizes achatados e dentes de javali que se armavam de maças e vinham ao encontro dos que se aventuravam na floresta.
santo Agostinho refutando os heréticos

Mas, o mesmo nome- acéfalos, também resulta de outra questão menos selvagem- a querela que levou à divisão dos cristãos bizantinos e se multiplicou em seitas rivais- por via da problemática da relação entre a natureza divina e humana na figura de Cristo.

Os monofisitas defendiam a exclusividade de uma só pessoa e uma só ligação entre Cristo Homem e Deus- a natureza de Cristo era real e humana e evoluiu para o divino, nele se unindo. Em oposição, os nestorianos - com Nestor, Patriarca de Alexandria a teorizá-la, defendiam a existência de duas naturezas na mesma pessoa. Cristo era Deus-Jesus unidos pelo logos em Cristo. Daqui saiu a corrente cristológica que não separa Deus da sua manifestação terrena e que teve pontos de ligação com os próprios luteranos da Reforma.


A luta entre os cristãos rivais foi de tal modo cruel que Ammianus Marcellinus, historiador romano (325-390), afirmou que ultrapassavam a fúria dos animais selvagens para com os homens.

A problemática foi debatida no primeiro Concílio de Niceia (325)e repetida mais de um século depois, no Concílio de Calcedónia (451). Estes heréticos (que se foram dividindo em várias seitas), a partir dos ultra-eutychianos, passam a ser denominados acéfalos - por não terem cabeça de bispo.

O mais curioso é que estes acéfalos do deserto da heresia se assemelham muito aos povos das margens do mundo civilizado. E a confusão dos nomes revestia-se também destes dois aspectos. O antigo Patriarca de Antióquia- Nestor- anos depois de repelido para o deserto pela ortodoxia, acabou por ser raptado por uma tribo nómada de blémios.

Não se tratou de rapto entre variantes de raças fantástica- o acéfalo herético foi levado por antigos praticantes de cultos pagãos dos Egipto que ainda se mantinham activos - os blémios adoradores de Ísis.

E foi assim, entre lutas e heresias que, ao contrário do que poderia parecer, mais se foi desenvolvendo e propagando o cristianismo.

Quanto à saga do tribalismo dos acéfalos também dá ideia que não acabou.

Seguindo alguns exemplos de excursões circenses entre ateus militantes pós-modernos e pastores evangélicos, a heresia não só permanece como são os próprios cientóinos monofisitas que também a replicam, com a ajuda dos pastores-ultra, mais mediáticos.

Este vídeo , que o Tim se lembrou de postar, ao pretender caricaturar as eternas lutas das religiões, acaba por o exemplificar às avessas, incluindo nos mil e tantos comentários reactivos.

Os Dawkins e Hitchens, empenhados em afirmar a natureza única da matéria- julgam-se capazes de cortar a cabeça teísta mas acabam a receber com dezenas delas em troca.
Todas elas feitas divinizações “nestorianas", que tanto espelham princípio criador em Cristo, como em budas ou profetas corânicos, já que só viajando no tempo e doutrinando o tal “elo perdido” é que o ateísmo poderia evitar a complicação da humanidade ter tantas crenças quantas civilizações milenares.
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Na altura em que este post foi feito não nos lembrámos que, se há coisa que os acéfalos devem invejar, é tudo o que não perdeu a cabeça.

Pois neste caso, a cabeça do Papa tem feito muita mossa nos poderes do mundo. Como não a conseguem prender com influências políticas, decapitar é bem capaz de ser a ambição.

Mas bem podem esperar sentados. Vão levar uma grande abada. E, como quem semeia ventos colhe tempestades, não seria de admirar que os ventos jornaleiros acabem por destapar carecas e kippahs para continuar a venda da novela.

  • Consultar:
  • Claude Lecouteaux, Les monsters dans la pensée médiévale eurpéenne, P.U.P.S., Paris, 1993.
  • DUCHESNE, Histoire Ancienne de l'eglise, III, Paris, 1910.
  • MICHAEL SYRUS , On the Persian Nestorians: the Monophysite historians, SYRUS, ed. CHABOT, Paris, 1899.
  • Apologética de Philoxenus- aqui e também aqui






Se v. acha que o Leviatã e o prémio para a descoberta da longitude- que valia mais que o resgate de um rei- não se podem juntar a umas cachaporras a lunáticos, na boa da tradição prot da velha Anglia, está muito enganado.
Daqui a nada já vai ver isso tudo e com acompanhamento de alfaiate.

Até já

O Arroja lá continua na senda da filosofia mística e de ponta. Agora deu-lhe para testar o sexo de algumas vocações, chegando à conclusão que as mulheres não nasceram para filósofas nem para teólogas.
E eu até concordo.

Mas agora a pergunta que ocorre é se economista será profissão de homem.
Ora digam lá de vosso saber?

Pela nossa parte, já falámos das javardinhas fiadeiras - aquelas sempre de roca e fuso na mão e chaves à cinta, a fingirem-se de castas patroas quando, na volta, a fiação era outra.


Mas, em se juntando o bruxedo macro-económico às palpitações financeiras, não é por nada, mas o bicho mais parecido não é homem nem mulher- é a porquinha-mealheira- sempre tensa mas muito despachada; basta entrar o tlim-tlim na rachinha e já está.

A soberba abjecta da orfandade ateia e jacobina é isto que vai citado de seguida.

Dei com o escrito no blogue desse personagem que se auto-intitula católico. E creio que melhor retrato da psicose dos fantasmas da "escardalhada" era difícil ser feito.

Sem mais palavras- aqui fica.

«Na semana passada estava em Lisboa, era domingo e uma procissão descia da igreja de S. Roque. Que estranheza. Na mais cosmopolita área da cidade, uma procissão. Mesmo eu, que ainda trago nos ouvidos o murmúrio dos autos-de-fé e li as descrições do grande terramoto que havia de celebrizar o Rui Tavares, olhei para aquela gente que descia do Largo da Misericórdia como para uma feira medieval. À frente, com opas amareladas, os irmãos vivos. A seguir, um padre e alguns acólitos segurando o ícone torturado. Depois o povo. A encerrar o cortejo, imponentes, saídos dos livros do Estado Novo, o Juiz, o vice Juiz e o Secretário. Nos passeios, os turistas fotografavam, vorazes. A primeira cidade africana, como diz John Berger. E saltitantes, roliços, com voz de contralto, alguns padres em traje de solenidade, tentavam chegar-se à cabeça da procissão. Os irmãos vivos, apesar dos ornatos e vestimentas, tinham o péssimo aspecto que a velhice em geral e a pobreza em especial dá aos infelizes: o mau estado oral da população, as raízes brancas anunciando o cabelo empastado, como se um meme de quase-rastas tivesse percorrido aquelas cabeças crentes, ou a asa de corvo do farandol nos homens mais cuidados, a cor baça da nefrose, o bronzeado talassémico. Surpreendida pelo quadro, a alta adolescente que estava comigo baixou os olhos e vi na sua reserva o pudor para com aquela gente e a reprovação pelo meu espanto. Ao contrário do que é hábito eu percebi-a, ah, ao menos esta vez eu percebi-a. Porque havia naquela marcha essa ambiguidade entre um acto público- uma comunidade que se deixa ver naquilo que a une- e o que o rosto das pessoas transmitia, sobretudo o das burguesas decadentes do segundo grupo, amontoadas antes da vara de prata do Senhor Juiz e as medalhas dos Corpos Gerentes. Estas mulheres pareciam zangadas com a sua exposição. Havia, claro, algumas faces tranquilas, de mulheres de trabalho a dias. Mas a maioria eram reformadas ou pensionistas, óculos de contrafacção e semblante carregado, cantando estrofes que celebravam o sofrimento e a glória do Senhor sem disso retirarem nenhum consolo. Pareciam querer arremessar a sua fé aos pecadores surpreendidos do Chiado.

Acho que a Igreja Romana, de Ratzinger e do cardeal Saraiva, tem um problema para resolver»»

Copiado por vida de cadela de original da Natureza do Mal.
Os negritos são da autoria d@ cagoto que fez a cópia.
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Merece a pena recordar uma resposta que demos, a propósito da comoção de 12 de Fevereiro de 2007; dia em que Erasmo entrou na Merdaleja, apesar do tirandentes ainda não ter chegado ao SNS.





Lida numa caixinha de comentários.






Isto é só o começo. Esperem até quando as pessoas começarem a se organizar para criarem o seu País. Nessa altura acabou o domínio do Estado.


{Para a semana há mais}

Uma série de filosofia de ponta que ficava melhor no Carnaval do que na Semana Santa.







No Portugal Contemporâneo- a resfolgar de impetuosidades místicas e adesões basbaques.





Minha aldeia na Páscoa...
Infância, mês de Abril!
Manhã primaveril!
A velha igreja.
Entre as árvores alveja,
Alegre e rumorosa
De povo, luzes, flores...
E, na penumbra dos altares cor-de-rosa .
Rasgados pelo sol os negros véus.
Parece até sorrir a Virgem-Mãe das Dores.
Ressurreição de Deus! (...)
Em pleno azul, erguida
Entre a verde folhagem das uveiras.
Rebrilha a cruz de prata florescida...
Na igreja antiga a rir seu branco riso de cal.
Ébrias de cor, tremulam as bandeiras...
Vede! Jesus lá vai, ao sol de Portugal!
Ei-lo que entra contente nos casais;
E, com amor, visita as rústicas choupanas.
É ele, esse que trouxe aos míseros mortais
As grandes alegrias sobre-humanas.
Lá vai, lá vai, por íngremes caminhos!
Linda manhã, canções de passarinhos!
A campainha toca: Aleluia! Aleluia! (...)
Velhos trabalhadores, por quem sofreu Jesus.
E mães, acalentando os filhos no regaço.
Esperam o COMPASSO...
E, ajoelhando com séria devoção.
Beijam os pés da Cruz.

Teixeira de Pascoaes





Não sou crente. Educado na fé católica, passei pelo ateísmo militante e hoje defino-me como agnóstico. Talvez não devesse, por isso, pôr-me a discutir os chamados "escândalos de pedofilia" na Igreja Católica. Até porque não sei se, como escreveu António Marujo neste jornal - no texto mais informado publicado sobre o tema em jornais portugueses -, estamos ou não perante "A maior crise da Igreja Católica dos últimos 100 anos".

Tendo porém a concordar com um outro agnóstico, Marcello Pera, filósofo e membro do Senado italiano, que escreveu no Corriere della Sera que se, sob o comunismo e o nazismo, "a destruição da religião comportou a destruição da razão", a guerra hoje aberta visa de novo a destruição da religião e isso "não significará o triunfo da razão laica, mas uma nova barbárie". Por isso acho importante contrariar muitas das ideias feitas que têm marcado um debate inquinado por muita informação errada ou manipulada.


Vale por isso a pena começar por tentar saber se o problema da pedofilia e dos abusos sexuais - um problema cuja gravidade ninguém contesta, ocorram num colégio católico, na Casa Pia ou na residência de um embaixador - tem uma incidência especial em instituições da Igreja Católica. Os dados disponíveis não indicam que tenha: de acordo com os dados recolhidos por Thomas Plante, professor nas universidades de Stanford e Santa Clara, a ocorrência de relações sexuais com menores de 18 anos entre o clero do sexo masculino é, em proporção, metade da registada entre os homens adultos. É mesmo assim um crime imenso, pois não deveria existir um só caso, mas permite perceber que o problema não só não é mais frequente nas instituições católicas, como até é menos comum. Tem é muito mais visibilidade ao atingir instituições católicas.

Uma segunda questão muito discutida é a de saber se existe uma relação entre o celibato e a ocorrência de abusos sexuais. Também aqui não só a evidência é a contrária - a esmagadora maioria dos abusos é praticada por familiares próximos das vítimas - como o tema do celibato é, antes do mais, um tema da Igreja e de quem o escolhe. Não existiu sempre como norma na Igreja de Roma e hoje esta aceita excepções (no clero do Oriente e entre os anglicanos convertidos). Pode ser que a norma mude um dia, mas provavelmente ninguém melhor do que o actual Papa para avaliar se esse momento é chegado - até porque talvez ninguém, no seio da Igreja Católica, tenha dedicado tanta atenção ao tema dos abusos sexuais e feito mudar tanta coisa como Bento XVI.

>Se algo choca na forma como têm vindo a ser noticiados estes "escândalos" é o modo como, incluindo no New York Times, se tem procurado atingir o Papa. Não tenho espaço, nem é relevante para esta discussão, para explicar as múltiplas deturpações e/ou omissões que têm permitido dirigir as setas das críticas contra Bento XVI, mas não posso deixar de recordar o que ele, primeiro como cardeal Ratzinger e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, depois como sucessor de João Paulo II, já fez neste domínio.

té ao final do século XX o Vaticano não tinha qualquer responsabilidade no julgamento e punição dos padres acusados de abusos sexuais (e não apenas de pedofilia). A partir de 2001, por influência de Ratzinger, o Papa João Paulo II assinou um decreto - Motu proprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela - de acordo com o qual todos os casos detectados passaram a ter de ser comunicados à Congregação para a Doutrina da Fé. Ratzinger enfrentou então muitas oposições, pois passou a tratar de forma muito mais expedita casos que, de acordo com instruções datadas de 1962, exigiam processos muito morosos. A nova política da Congregação para a Doutrina da Fé passou a ser a de considerar que era mais importante agir rapidamente do que preservar os formalismos legais da Igreja, o que lhe permitiu encerrar administrativamente 60 por cento dos casos e adoptar uma linha de "tolerância zero".

Depois, mal foi eleito Papa, Bento XVI continuou a agir com rapidez e, entre as suas primeiras decisões, há que assinalar a tomada de medidas disciplinares contra dois altos responsáveis que, há décadas, as conseguiam iludir por terem "protectores" nas altas esferas do Vaticano. A seguir escolheu os Estados Unidos - um dos países onde os casos de abusos cometidos por padres haviam atingido maiores proporções - para uma das suas primeiras deslocações ao estrangeiro e, aí (tal como, depois, na Austrália), tornou-se no primeiro chefe da Igreja de Roma a receber pessoalmente vítimas de abusos sexuais. Nessa visita não evitou o tema e referiu-se-lhe cinco vezes nas suas diferentes orações e discursos.

Agora, na carta que escreveu aos cristãos irlandeses, não só não se limitou a pedir perdão, como definiu claramente o comportamento dos abusadores como "um crime" e não apenas como "um pecado", ao contrário do que alguns têm escrito por Portugal. Ao aceitar a resignação do máximo responsável pela Igreja da Irlanda também deu outro importante sinal: a dureza com que o antigo responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé passou a tratar os abusadores tem agora correspondência na dureza com que o Papa trata a hierarquia que não soube tratar do problema e pôr cobro aos crimes.

De facto - e este aspecto é muito importante - a ocorrência destes casos de abusos sexuais obriga à tomada de medidas pelos diferentes episcopados. Quando isso acontece, a situação muda radicalmente. Nos Estados Unidos, país onde primeiro se conheceu a dimensão do problema, a Conferência de Dallas de 2002 adoptou uma "Carta para a Protecção de Menores de Abuso Sexual" que levaria à expulsão de 700 padres. No Reino Unido, na sequência do Relatório Nolan (2001), acabou-se de vez com a prática de tratar estes assuntos apenas no interior da Igreja, passando a ser obrigatório dar deles conta às autoridades judiciais. A partir de então, como notava esta semana, no The Times, William Rees-Mogg, a Igreja de Inglaterra e de Gales "optou pela reforma, pela abertura e pela perseguição dos abusadores em vez de persistir no segredo, na ocultação e na transferência de paróquia dos incriminados".

Bento XVI, que não despertou para este problema nas últimas semanas, não deverá precipitar decisões por causa desta polémica. No passado domingo, durante as cerimónias do Domingo de Ramos, pediu aos crentes para não se deixarem intimidar pelos "murmúrios da opinião dominante", e é natural que o tenha feito: se a Igreja tivesse deixado que a sua vida bimilenar fosse guiada pelo sentido volátil dos ventos há muito que teria desaparecido.

Ao mesmo tempo, como assinalava John L. Allen, jornalista do National Catholic Reporter, em coluna de opinião no New York Times, "para todos os que conhecem a experiência recente do Vaticano nesta matéria, Bento XVI não é parte do problema, antes poderá ser boa parte da solução".

Uma demonstração disso mesmo pode ser encontrada na sua primeira encíclica, Deus Caritas Est, de 25 de Dezembro de 2005, ano em que foi eleito. Boa parte dela ocupa-se da reconciliação, digamos assim, entre as concepções de "eros", o termo grego para êxtase sexual, e de "ágape", a palavra que o cristianismo adoptou para designar o amor entre homem e mulher. Se, como referia António Marujo na sua análise, o teólogo Hans Küng considera que existe uma "relação crispada" entre catolicismo e sexualidade, essa encíclica, ao recuperar o valor do "eros", mostra que Bento XVI conhece o mundo que pisa.

Por isso eu, que nem sou crente, fui informar-me sobre os casos e sobre a doutrina e escrevi este texto que, nos dias inflamados que correm, se arrisca a atrair muita pedrada. Ela que venha.

José Manuel Fernandes, Público de hoje.