Este personagem não escrevia eféméridos em letra miudinha, mas também se entregou com frenesim a uma escrita críptica, fazendo sair das suas mãos belíssimas torres imaginárias.
Mais próximo da história do Spider do Cronenberg que do escritor compulsivo da Avenida Fernão de Magalhães, Achilles G. Rizzoli (1896-1981) era filho de emigrantes pobres, de origem Suiça e Italiana, que se instalaram na Califórina.
Teve formação em engenharia mas o fascínio pela arquitectura começou a atormentá-lo muito cedo.
A família sofre uma série de atribulações que incluíram o desaparecimento do pai depois de ter roubado uma arma no trabalho. São obrigados a mudarem-se para uma casa modesta em S. Francisco, onde Rizzoli leva uma perturbada vida de celibatário, vivendo sozinho com a mãe e partilhando toda a vida a cama com ela até esta morrer.

Durante anos vive de trabalhos miseravelmente pagos para expiar a culpa do pai, até que decide ser escritor e publicar uma enfastiante novela sobre arquitectura que não teve leitores.
Apesar do falhanço literário a imaginação de Rizzoli não esmorece. A fixação por arquitecturas aumenta e Rizoli passa a entregar-se ao desenho de projectos visionários que simbolizavam as metamorfoses que parentes e vizinhos teriam depois de mortos.
Depois do suicídio do pai, Rizzoli isola-se e as alucinações arquitectónicas entram no desregramento.
Um dia, depois de espreitar os genitais de uma menina sua vizinha, escreve “Parem tudo! Tal como o coração palpita embaraçado, tentando desesperadamente escapar... pela estreita passagem conhecida por garganta...perante o pensamento que aos 40 anos alguém tenha tido finalmente um vislumbre da veeaye”.
E assim se iniciaram os projectos das torres fálicas da Veeaye, acompanhados de escrita críptica poética, pretendendo conjugar princípios arquitectónicos com a sacralidade da virgindade feminina. As torres, de aspecto gótico, eram decoradas no topo com os órgãos sexuais masculinos e femininos, incluindo na "Bluesea House" a fórmula para se atingir o orgasmo.

A utopia arquitectónica fechava com o sinal YTTE (Yield To Total Elation) e a total eleição não se fez esperar...
Incluía 80 desenhos, como "O Caminho Fálico”, o "Palácio do Relaxamento”, o "Templo dos Sonhos”, todo ele dedicado à poesia e ao prazer, ainda que certas siglas fossem um tanto inquietantes. A Acme Sitting Station,- A.S.S.- era o nome dado à casa de banho e para quem desejasse abanar o seu mortal alambique havia “ O Poço da Ascensão” onde tinha à disposição uma agradável e indolor eutanásia.

Ao longo do restantes anos da vida continuou a trabalhar numa fantástica terceira Bíblia arquitectónica a que chamou A.M.T.E,- Celestial Extravaganza - inspirado pela Miss Architecture Made To Entertain- uma espécie de esposa virgem de Cristo.
Em 1977 o infeliz visionário sofre um acidente que o deixa inválido, acabando por morrer em 81.
A obra tinha-se perdido se não fosse o acaso de uma mulher se ter lembrado em 1990 de mostrar os geniais desenhos a um galerista.
A partir daí dá-se a descoberta deste esquizofrénico artista californiano, cujo espólio é incluído no American Folk Art Museum .
Em 1997 estes nconfessáveis sonhos de pedra foram publicados no livro A. G. Rizzoli: Architect of Magnificent Visions

— It's every man's right to have babies if he wants them.
— But... you can't have babies.
— Don't you oppress me.
— I'm not oppressing you, Stan. You haven't got a womb! Where's the foetus going to gestate?! You going to keep it in a box?!
— Here! I-- I've got an idea. Suppose you agree that he can't actually have babies, not having a womb, which is nobody's fault, not even the Romans', but that he can have the right to have babies.
— Good idea, Judith. We shall fight the oppressors for your right to have babies, brother. Sister. Sorry.
— What's the point of fighting for his right to have babies when he can't have babies?!
— It is symbolic of our struggle against oppression.


















Ted Noten, "Schultercarbonde- mala" 2000
acrílico, ouro, pega velha, costeleta

Sabe-se, ainda, que os que usam a personalidade como máscara e a máscara como atributo da personalidade se auto-condenam à observância pública da perscrutação mais ou menos paranóide do sujeito mascarado

No 15º livro do Tratado de Magia Natural, dedicado a temas de caça aos pássaros, caça grossa e pesca (e o modo como apanhar estas criaturas vivas pela mão) o nosso Giambattista della Porta decide falar do Amor e do perigo do caçador acabar caçado.


Pelo fulgor do olhar, (Cupido) provoca naquele que atinge uma espécie de loucura e ensina-lhe os rudimento do amor. Por sua acção, o enamorado fica cativo em contemplação da beleza, enquanto os olhos são feridos.
Por esta razão se diz que Cupido monta uma emboscada com o seu arco, pronto a disparar as setas nos olhos do enamorado deixando-lhe a arder o coração
”. E cita Apuleio: “pelos teus olhos entra nos meus olhos e lança um cruel fogo no meu coração.

Este amor, em vez de fazer sonhar o enamorado, é tido como uma doença, o efeito de uma praga infecciosa, - a pior de todas, como ele diz, que só não contagia o próximo porque se vira contra si própria, deixando o apaixonado cativo dos feitiços que Cupido lhe lançou.
Idêntico ao bruxedo, compara o mal ao efeito do reflexo do espelho de Narciso que leva o fascinado a perder a sua real forma e morrer apaixonado por uma beleza imaterial.

Como tratamento para remover o feitiço, aconselha a desviar a cara ao olhar que o pretende ferir e ir à causa da maleita. Para isso necessita de evitar a companhia da sedutora, precaver o organismo de qualquer fraqueza motivada por doença e concentrar o espírito no trabalho.
Aos que já foram contaminados dá indicações mais técnicas, como as sangrias, purgas de fluidos e pestilências que o organismo possa possuir, para que a praga da paixão seja expurgada juntamente com eles.

É muito curiosa esta descrição do cupido amoroso. Segue a teoria dos simulacros, que entram pelos olhos, e impregnam o cérebro de duplos das coisas; coloca o apaixonado no lugar do idólatra cativo, como no mito de Pigmaleão, como já foi referido aqui , mas afasta-se do paralelo que dele derivara para o amor cortês.
Este amor platónico perdeu o poder da sublimação espiritual e está mais próximo do velho mau-olhado medieval.
A imagem que se lhe associa oscila entre a forma do Cupido feminino na inversão da presa que se torna caçadora e do Cupido cego, de conotações mortíferas e demoníacas.

Mas, Giambattista della Porta é um físico alquimista, crente nas possibilidades de controlo do homem sobre a natureza e, por isso, o seu Cupido se é maligno, não o deve a quaisquer motivos morais. Tornou-se um mero efeito físico de doença, explicada racionalmente por processos de doutrina medicinal, da qual nos podemos livrar com uma simples purga dos fluidos do corpo.
O tempo da contemplação poética deu lugar à virtude do controle do corpo; o que se perde em poesia ganha-se em pragmática utilitária.
Veremos como essa sobreposição do humano à fatalidade da sina também se irá desenvolver por dissolução dos limites dessa mesma humanidade.

Imagens: 1-Amor Carnalis, pormenor de gravura alemã, c.1475
2-Giotto, S. Francisco de Assis, alegoria da Castidade (1320-25)Cupido cego (denominado Amor), juntamente com o seu companheiro –nu Ardor- a serem expulsos da Torre da Castidade pela Morte e pela Penitência.

Ver:
Michael CAMILLE, The Gothic Idol, Ideology and Image-Making in Medieval Art, Cambridge New Art History and Criticism. Cambridge & New York: Cambridge University Press, 1989.
Erwin PANOFSKY, Estudos de Iconologia. Temas humanistas na arte do renascimento, Editorial Estampa, Lisboa, 1986.

Argumentos dos que defendem a inconstitucionalidade da Igreja Católica (esquecem-se sempre das outras)

1- Portugal é uma democracia e numa democracia todas as instituições têm de ser democráticas.

Conclusão- em Portugal as Forças Armadas são ilegais

2- A Constituição Portuguesa impede a descriminação das mulheres na ascensão a cargos públicos ou no trabalho - logo a Igreja Católica tem de mudar as suas regras internas.

Conclusão- ou a Constituição Portuguesa tem poderes para além do território pátrio ou não permite a existência de culto religioso no nosso país.

bem... a Zazie parece que se meteu em trabalhos e lá tem que vir o porteiro dar uma mãozinha.

Ela pergunta se está errada por afirmar que não é inconstitucional a Igreja Católica não permitir o sacerdócio às mulheres.

O Estado tem o direito de se imiscuir nos dogmas de qualquer religião em nome da democracia, ou isso é um acto ditatorial que só um Estado de cariz religioso poderia fazer?

O debate andou por ali


P.S. como a patroa já está um tanto enxofrada por lhe deturparem as palavras, fica aqui o aviso que, do ponto de vista estritamente religioso, ela se está marimbando para o caso-
se querem mulherio ou preferem só homens é lá com eles porque, do que gosta mesmo é de uma velha igrejinha medieval seja com quem for lá dentro. Até pode ser gado para a ordália.

O que parece que não suporta são jacobinismos ditatoriais encapotados.

.........................................................................
Adenda: o meu caro amigo Luís com quem tenho andado à porrada, acaba de responder ao desafio e colocou post com pergunta idêntica no seu blogue

Como não andamos na luta pelas audiências, escolhei à vontade o lugar para o debate porque nós já escolhemos as armas.

Zazie

As palavras caminhavam sobre os ramos das árvores
como um telégrafo aéreo
Não havia ainda telemóvel

roubado daqui

Como não podia deixar de ser, o Cocanha saúda e apoia a candidatura alegre e conta com a falta de tino do seu timoneiro para nos levar a todos à Terra dos Loucos à 3ª volta


Loucos há-os de toda a espécie
temos irmãos grandes e pequenos;
em todos os lugares, daqui e dali
o nosso número é infinito:
atravessamos todos os países
de Narbona vamos à Cocanha
iremos a Montelfiascónia
chegaremos a Narragónia

Sebastian Brant, A Nave dos Loucos

o papagaio nónó ataca na Grande Loja

a falta que um rodapé me faz...





















para o Codex Seraphinianus



(criptografia?)













de Luigi Serafini

(e um porquinho mealheiro para o Codex...)

A ler, VPV, no Público de hoje

(...) não ando a dormir e, em 30 anos, já pude perceber que os maiores "beneficiários" do regime não foram com certeza as criaturas um pouco patéticas que acabaram na televisão e nos jornais. O tráfego de influência, a fraude a sério, o negócio verdadeiramente corrupto, ficam por força e tradição entre indivíduos muito respeitáveis, que ninguém conhece e que nunca por nunca fazem falar de si. Ainda por cima, o grande crime, bem guardado por um exército de advogados, consegue conservar uma ficção de legalidade: uma assinatura aqui, um despacho ali, uma conversa acolá - e as coisas correm docemente.
(...)
Apoiando este extraordinário grupo, o eleitorado, ou pelo menos parte dele, está a comunicar à justiça e aos partidos: "Todos roubam. Toda a política é um roubo organizado, que os senhores protegem. Escusam de nos dizer que eles são piores - não são. São até melhores porque nos trataram bem. Se agora resolveram limpar a casa, comecem por outro lado." Se os três ganharem, ou se um deles ganhar, não importa qual, é o regime que perde. Não vale a pena inventar desculpas. Quando o voto rejeita expressamente a decência comum, não se pára mais.

















o regresso ao labirinto no mundo de Gilles Aillaud

contraditório de fim-de-semana

-You're all individuals!!
-I'm not

- e o post sobre o leão-asiático

(o mundo para além dos pronomes pessoais)

DS:- The idea of man’s being redeemed only trough the crucifixion of God’s only son seems a fairly tragic view of life. And then there may be the carrot of beatitude but there’s also the threat of hell. Don’t you think that believing Christian who felt that he was damned would prefer not to have an immortal soul than to live in eternal torment?

FB- No, I don’t. I think that people are so attached to their egos that they’d probably rather have the torment than simple annihilation.

DS- You’d prefer the torment yourself?
FB- Yes, I would, because, if I was in hell I would always feel I had a chance of escaping. I’d always be sure that I’d be able to escape.

[…]

DS- you have, of course, a very positive distance for all forms of religion- as much for what you call modern mysticism as for Christianity- so I don’t know you feel about this, but for me the sort of shallow hedonism, the just wanting to have a good time, by which most people seem to live now is a way to make life utterly boring.

FB- I absolute agree with you. I think that most people who have the fear of God are much more interesting than people who just live a kind of hedonistic and drifting life. On other hand, I can’t help admiring but despising them, living by a total falseness, which I think they are living by with their religious views. But, after all, the only thing that makes anybody interesting least be dedication and when there was religion they could at least dedicated to their religion, which was something. But I do think that, if you can find a person totally without belief, but totally dedicated to futility, then you will find the more exciting person.

in David Sykvester, Interviews with Francis Bacon (1975).














Francis Bacon,tríptico inspirado na Oresteia de Ésquilo,1981

"O nosso destino permanece; hábeis e tenazes, nós guardamos a memória fiel dos crimes e somos surdas a todas as súplicas, nós, as Veneráveis. E lá vamos cumprindo a nossa tarefa sem honra nem glória, longe dos deuses, em lugar sem sol, sobre rochas inacessíveis aos que vêem e aos que já não vêem a luz do mundo".

Ésquilo, Euménides.

um ateu militante é um ateu científico dedicado a uma causa em que não acredita

[só para que não se pense que este é um blogue religiosamente envergonhado]

um ateu científico é um ateu que dispensa a análise ao ADN

















Ted Noten
"The Pistol Saints" 2003
broche, ouro
[podem vir as bocas que aqui não há pregadeiras para ninguém]















ou o estranho mundo de Kahn & Selesnick





Lunar Study #52, 2004,11" x 8 1/2"

It is easy for us to judge Dinsdale Piranha too harshly. After all he only did what many of us simply dream of doing... I'm sorry. After all we should remember that a murderer is only an extroverted suicide. Dinsdale was a looney, but he was a happy looney. Lucky bugger.

... e como alguém recordou...
que é feito do Sousa Jamba?

Ora até que enfim que alguém tem coragem e determinação para se atirar a um caramelo anónimo da blogosfera. Gostei. Principalmente da bibliografia, ainda que faltem algumas notas de rodapé.

E estou ansiosa pelo próximo número da Atlântico versando o efeito da pedantice dos caramelos virtuais na virgindade de konisberga.
Só é pena desbaratar-se um trunfo destes em revista. Dava uma boa tese de doutoramento...















Enquanto tratamos das marcas do mundo no humano e vice-versa aqui fica o Zadok Ben-David













Multitudes of Innerscape,1996








parece que anda por aí uma grande excitação por causa de uns almoços à borla...

Ainda pensei que fosse metáfora de qualquer tacho político mas não...
ao que tudo indica a coisa é mais grave e ainda acabamos por morrer à fome à custa disso.

Pois eu cá estou com o Reiser e não me venham com tretas...




fresquinho e medieval, num combate entre dois lagostins em plena catedral de Salmanca.

ou será antes um encontro amoroso e nem se trata de nenhuma lasgostina...?

e aos costumes disse nada

nunca me passou pela cabeça escrever uma daquelas cartas abertas com nº de eleitor ou coisa no género...
mas tenho de admitir que uma vez tive a ideia de um protesto frente à Assembleia da República em plena silly season.
":O.

































1-Ilustração de Horapollo, c.1514

2- Panegírico sincrético dedicado ao Imperador Maximiliano I, composto num misto de simbologia cristã com suposta hieroglífica egípcia c.1519.

A segunda imagem consiste num detalhe de um arco triunfal que fazia parte de um invulgar programa propagandístico em forma de gravuras, encomendado em 1515 pelo proprio Imperador.
O conjunto do vasto projecto, que incluía também um cortejo triunfal, levou catorze anos a ser realizado, ficando concluído quando o monarca já tinha morrido.
Dürer desenhou grande parte da obra, seguindo propostas de Johannes Stabius, astrónomo da corte, que também fazia parte da equipa. A este se deve a ideia de transformar o conjunto numa compilação gigantesca de noventa e duas xilogravuras que em conjunto atingem os 3,5 metros de altura por 3 de largura.

Para ver a solução dos enigmas vire o monitor de pernas para o ar.




























já que andam para aí com bocas, tomem lá um antepassado meu da dinastia ptolemaica!
E fiquem sabendo que os egípcios nos chamavam os am-am que parece que significava devoradores.
...se for preciso a gente nem dorme só para deitar o dente ao que aparecer à frente ...

pronto, parece que o Paulo resolveu o problema e enviou-nos esta bela imagem do deus Ganesha- "destrutor dos obstáculos, o melhor dos guias, soberano das categorias, "cavalgador" dos ratos, rei dos elefantes"

como ele teve o cuidado de referir no mail, contando também a história:

"Parvati não gostou de ser surpreendida no banho por Shiva, seu marido e, amalgamando-se com a poeira, criou um jovem atlético a quem confiou a guarda da sua porta.
Shiva, parado pelo novo porteiro, irritou-se de tal modo que o decapitou.
Parvati ficou tão encolerizada que Shiva, para remediar o caso, cortou a cabeça do primeiro animal que encontrou, um elefante, e colou-a ao corpo.
Para os sábios indianos é o símbolo da identidade do macrocosmo com o microcosmo."

Não é uma história edificante? Pergunta o Paulo.
Por mim confirmo mas não garanto nada pela parte do meu caro colega do Cocanha...

ele é elefantes, ele é carneiros, ele é macacos... mas musaranhos nada!
nem uma historieta com ratito para amostra....

sim... mas se estão à espera que venha eu para aqui com diários íntimos bem podem esperar sentados.

A moda de gravuras com mistérios e escrita hieroglífica associada aos rebus desenvolveu-se nas cortes renascentistas italianas, acabando por derivar em charadas populares que antigamente os jornais publicavam juntamente com as palavras cruzadas.
A escassez de divulgação de imagens e restrita capacidade de interpretação simbólica torna-a uma prática eruditíssima, própria para ilustrar emblemas e empresas de príncipes e intelectuais, ou para uso hermético na tradição simbólica da alquimia.
Ao longo do século XV e daí em diante, a hieroglífica institui-se como uma linguagem perfeita, capaz de conciliar os sentidos com a razão e iniciar o espírito nas mais altas esferas do conhecimento abstracto.
O neoplatónico Marsilio Ficino é dos primeiros a constatar esta importância e refere-o nos comentários acerca da Ennéacles (V.I.VIII,6): “O conhecimento das coisas por Deus não é compatível com o alfabeto e seus caracteres, nem compatível com um discurso acerca das coisas. O conhecimento de Deus e das coisas consiste numa visão simples e estável da sua forma”.

Quanto à sua complexa genealogia, pode dizer-se, de modo muito abraviado, que se baseou em fontes paralelas, sendo a mais importante a divulgação do velho e mítico tratado de Horapollo No seguimento da queda de Constantinopla e consequente imigração de intelectuais de cultura grega e hebraica, chegou à corte florentina,uma cópia grega da Hieroglyphica de Horapollo, comprada em 1419 por um sacerdote florentino, de nome Christophoro de Buondelmonti e, a partir daí, divulgaram-se edições por todo o lado.
Acreditando no poder de uma escrita simbólica, de Mantegna, a Durer, vários foram os artistas e inteletuais que se dedicaram à mania de decifrar hieróglifos, criando eles próprios diversas composições em forma de enigmas.

O gosto teve o apogeu erudito numa das mais curiosas novelas de amor e arquitectura de que há memória- a fantástica Hypnerotomachia Poliphili de Francisco de Colonna, publicada em Veneza no ano de 1499.
A história tem como subtítulo “Luta do amor em sonhos de Polifílio, onde se ensina que todo o humano é apenas sonho e além disso recorda habilmente muitas coisas digníssimas” e está cifrada- unindo as iniciais de todos os capítulos, forma-se uma frase em latim que significa- “O irmão Francisco Columna amou muito Polias”. O herói do romance- Polifilio,amante da beleza, representa-a como uma forma de conhecimento e virtude.
A trama consiste na senda do autor pelo amor de Polia, fazendo-lhe despertar o prazer físico, até descobrir que afinal a amada tinha morrido e tudo não passara de um sonho.
O mais curioso da obra é que a demanda processa-se entre sonhos de arquitecturas fabulosas, jardins e ruínas com estátuas em que os hieróglifos vão tendo o papel de explicar o sentido metafórico da realização do corpo arquitectónico e do erótico-amoroso.
Ao longo da obra as metamorfoses fantásticas vão dando lugar à progressão do amor mundi e da libido aedificandi renascentista, ao encontro de um "corpo humanista", num nítido exemplo de fantasia de sociedade requintada em que o desejo de realização superava já a velha contemplação medieva.















As gravuras que acompanham o romance vão ter uma série de aplicações em decorações de arquitecturas e textos, tendo sido detectadas copias na sala capitular do convento de São Paulo de Parma, no claustro de Santa Justina em Pádua e no da Universidade de Salamanca, incluindo-se também em divisas várias.

Interessemo-nos agora por duas representações alusivas a elefantes que nela se incluem.
O primeiro, quase indecifrável, faz parte de um rebuscado rebus que será mais tarde aproveitado para a decoração da referida Universidade de Salamanca.
Os estranhíssimos elefantes que aos pares ladeiam o caduceu formam uma charada alegórica de cariz político acerca dos efeitos da concórdia e da discórdia no corpo social.
Baseiam-se num texto clássico de Salustio(Ygurtha, X), onde se diz:- “Concórdia parvae res crescunt, discórdia maximae dilabuntur”- "A concórdia faz com que as coisas pequenas se unam e cresçam, a discórdia separa-as e destrói-as, por muito grandes que sejam”.
Para dar forma à máxima, o autor serviu-se da fábula de Mercúrio quando a caminho da Arcádia encontra duas serpentes em luta e lhes aponta a vara, fazendo-as cessar a contenda e enlaçarem-se à volta do instrumento pacificador.

No desenho de Colonna e medalhão de Salamanca, os elementos opostos são reforçados por duas selhas antagónicas- de um lado uma com água dentro, do outro com fogo.
No par inferior os elefantes (que significam o poder e a razão) estão virados de costas porque se odeiam e os corpos gigantescos estão a metamorfosear-se em formigas. No par superior, tal como as serpentes da fábula, a concórdia faz-se sentir e são as pequenas formigas que se transformam em gigantescos elefantes.























O segundo exemplo não se trata de um rebus mas de um elefante que sustenta no dorso um obelisco decorado com hieróglifos. A iconografia faz recordar os velhos elefantes medievos com a casa às costas, misturados com a escultura de glorificação das praças públicas, como foi moda no final do Império Romano.
Seguindo-lhe o curso, podemos chegar ao famoso obelisco da praça Minerva da autoria de Bernini ( il pulcino della Minerva)- cuja história pode ser lida aqui .
Coube ao famoso arquitecto-escultor utilizar um velho obelisco já existente e com ele fazer uma composição dedicada ao poder da sapiência associado à deusa Minerva.
Depois de diversos projectos para a base, Bernini acaba por recorrer à simbologia da força da razão, encarnada pelo elefante e copia o modelo de mais uma passagem da demanda de Polifilio.


Mas estes memoráveis elefantes que sustentam o Poder não terminam aqui. Em 1758 o aquitecto Charles Ribart projectou uma gigantesca estátua em forma de elefante, dedicada à glorificação de Luís XV, para ser colocada no local onde desembocavam os Campos Elíseos e onde mais tarde veio a ser construído o Arco de Triunfo.
O extravagante e colossal monumento, planeado em plena guerra da França com a Prússia, desenvolvia-se como uma autêntica torre de saber e poder heróico. No dorso deveria carregar as relíquias dos adversários e no topo culminaria com a figura do próprio rei. O interior dividia-se em diversos pisos com acesso por escadarias, culminando num nicho dentro da cabeça, onde deveria ficar o trono para o monarca. Possuía uma grande sala de jantar, albergava junto às orelhas um espaço para uma orquestra e deveria ser munido de um complexo sistema hidráulico para alimentar as fontes que fariam jorrar água pela tromba do gigantesco paquiderme.
Napoleão parece que não lhe achou grande piada e mandandou derrubar o que já havia sido iniciado, para que fosse construído no seu lugar o desengraçado arco que ainda por lá está.
Foi pena. Tivesse ele visões arquitectónicas tão vastas como megalomania imperial e teríamos hoje em Paris a Hipnerotomachia "elefantíaca" em pendent com a pirâmide do Louvre.

Imagens:
1- gravura de Hipnerotomachia e medalhões de claustro da Universidade de Salamanca
2- detalhe
3- obelisco de Bernini, Praça Minerva, Roma
4- desenhos do projecto
5- gravura de Hipnerotomachia Poliphili
6- projecto de elefante de Charles Ribart

Bibliografia:
Franco BORSI, Architecture et Utopie, Paris, 1997
Juan F. ESTEBÁN LORENTE, Tratado de iconografía, Edictiones Istmo, Madrid, 1998
P. PEDRAZA, (1983), "La introducción del jeroglífico renacentista: los enigmas de la Universidad de Salamanca", en Cuadernos Hispanoamericanos, 394, Madrid, 1983, 1-35.
___ (1983), "Los jeroglíficos del patio de la Universidad de Salamanca y la Hypnerotomachia Poliphili" , in Traza y Baza, 8, Valencia, 1983, 36-57.
R. WItTTKOVER, Allegory and the Migration of Symbols, Thames and Hudson, United Kingdom, 1987.












"Qu'est-ce que l'art sinon ce par quoi les formes deviennent style"



(à suivre...)









"le cinéma n'a jamais fait partie de l'industrie du spectacle, mais de l'industrie des cosmétiques, de l'industrie des masques, sucursale elle-même de l'industrie du mensonge"





Lin Yong





“strike against the rightist deviationist who attempts to reverse correct verdicts”






La Chinose





"ce n'est pas une image juste, c'est juste une image"










Marti Guixe para CHI HA PAURA
04/2002

…and Genevieve's uncle died unexpectedly and left me all his yaughts. And then Tamara came running out of our Somerset house, as fast as her little legs could carry her, to tell me I was a direct descendant from Kublah Khan... Which was nice!

Compreende-se que há coisas que necessitam de maior fôlego e trabalho de “interior” mas ainda assim não desapareças.
Toma isso como um pousio (como lhe chamou da outra vez a Cris) e regressa como bem entenderes- o Memória Inventada já é um clássico, pode dar-se a todos luxos.
Mas nada de te armes em nazi das sopas com esses malandros só porque às vezes se baralham nos papéis.
Áh... e mãozinha no Dentista Frígido, mãozinha nele, antes que aproveite para se pirar de vez para o Rio...

Um post perfeito

Ulisse Aldrovandi, autor da espantosa Monstrorum Historia, cujas atribulações com a Inquisição não impediram que tenha sido considerado o maior naturalista do seu tempo, não se dedicou apenas a histórias de monstros.
Com efeito, apenas se lembrou de catalogar, desenhar e pintar tudo o que era conhecido e desconhecido na Natureza, pelo que não será excessivo se pelo caminho se convenceu que esbarrou com alguns.

Quanto a explicações para estes desregramentos que tanto o entusiasmavam, o notável bolonhês preferiu seguir a tradição bíblica e clássica e atribuir a culpa às mulheres. Ou porque estavam menstruadas na altura do coito, ou porque eram dadas a excessos imaginativos igualmente impuros, os desvarios internos acabavam por imprimir uma série de disformidades no feto.
No entanto, os seus monstros são sempre rebuscadíssimos e, fora o facto de serem desnaturados, em matéria de elegância não ficam atrás de muitos entes que se mantiveram na boa órbita da Natureza.

No caso desta casta peludinha, fica-se mesmo com vontade de experimentar uma receita de outro expert polivalente que foi o Giambattista della Porta (de quem trataremos um destes dias).No tratado Magiae Naturalis, entre mil outros assuntos, também incluiu um detalhado manancial de receitas de beleza e cuidados femininos.

Na introdução à cosmética, o mago cientista teve o cuidado de explicar que não era sua intenção promover a luxúria. Mas, já que Deus criara a mulher para agradar ao homem e com esta atracção evitar que e espécie se finasse, nada como uma pequena ajuda quando surgiam alguns entraves inestéticos.

Possivelmente até o problema do excesso de pêlos como o da moça de Aldrovandi poderia ser resolvido sem grandes gritarias extemporâneas.
Seria caso para experimentar uma boa mistura de unguento de rã ou sapo branco, ou óleo de vomitado de salamandra indisposta. E era para usar à confiança pois, como o cientista assegurava, a receita já vinha de Varrão.
Se o caso fosse mais grave, o melhor seria remover definitivamente a insistente pelagem para não haver surpresas no dia seguinte... Para tal bastaria esfregar a superfície anteriormente depilada com uma mistura de unhas moídas de mulher e gotas de vitríoloco, massajando isto (e tudo o resto) muito bem massajado.

Pois bem, Não há nada como tentar a sorte. É aproveitar a época de caça e, em vez de ir aos patos, tentar a sorte com uns sapos brancos. Pode ser que pelo caminho ainda haja encontro com uma peludinha destas atrás de uma árvore...





























Uma opereta com citações do livrinho vermelho de Hayek Mao Tse-Tung.


O povo dança vitorioso, depois de correr com o Mayor e cuidar dos diques da comuna livre com as suas próprias mãos.

- Now... that brain that you gave me...whose brain ...whas it...Hans Delbruck's?
- No
- Ah! Good
- uh...would you mind telling me ...whose brain..I did put in?
- Then you won’t be angry?
- I will not... be angry
- Abby someone
-abby someone...
- Abby who?
- Abby...Normal
- Abby Normal...I'm almost sure that was the name.
- Are you saying that I put an abnormal brain......in to a seven-and-a-half-foot long,...54-inch wide.... ... gorilla?!
is what you're telling me?!?!

Errado! Não é o caracol, é um elefante com a casa às costas.

Na verdade este falso-monstro é produto de um erro de tradução. Nas viagens fantásticas à Índia (de Majore Índia), Jourdain de Séverac descreve com grande entusiasmo os elefantes que por lá vira: “Estes animais são extraordinários: pelo seu tamanho, pelo peso, pela força e mesmo pela sua inteligência, ultrapassam mesmo todos os animais do mundo. Este animal possui uma grande cabeça, olhos pequenos (mais pequenos que os de um cavalo), orelhas em forma de asas de corvo ou de morcego, um nariz que, nascendo no cimo da testa, desce quase até ao chão, dois dentes exteriores, dirigidos para a frente, de um tamanho, de uma grossura e de um comprimento fora do comum (estão implantados no maxilar superior) [...] Têm pés enormes, com seis unhas, que parecem pés de boi ou melhor de camelo. Este animal pode transportar sobre ele, numa espécie de habitáculo em madeira, mais de trezentos homens”.
Depois acentua a inteligência do animal- "que se distingue da brutalidade pela perspicácia do seu entendimento e até pela sensibilidade".

Ainda que minuciosa e realista, a descrição também se insere na tradição dos “estranhos exotismos de paragens nunca vistas” nos quais toda a ficção é plausível. Como dirá o Cristóvão Colombo, muito mais fantástico será para quem ouvir contar, do que para quem esteve lá e presenciou.

O labor da fantasia não se fez esperar. Na ilustração das Viagens de Mandeville, o dito elefante, descrito por Séverac, também por lá aparece. À letra e com acréscimo de deturpação latina. Onde se falava em “quodam artificio lignis”, a propósito da construção onde cabiam os 300 homens, o ilustrador faz nascer, directamente do dorso, uma autêntica habitação de dois andares e o draconiano animal até possui orelhas de morcego e patas de boi.




Quanto à lendária inteligência, já vimos noutras paragens no que derivou.

Passado um século até o insuspeito e perspicaz humanista Sebastian Brant transformava a passagem original de Séverac. Onde este dizia que o bicho era capaz de obedecer às ordens humanas e que a extrema mansidão contrastava com os dotes de combate, Brant estropeia tudo e afirma que o animal até é crente e honra a divindade, para além de possuir a capacidade para combater dragões.
O gravador vai atrás e ilustra um destes imaginários combates, desenhando a bicharada com tais semelhanças anatómicas que mais parece tratar-se de um fratricídio.



Certo é que o elefante com a casa às costas tornou-se um must medieval com aparições nos mais variados locais.



Mas não se pense que estas historietas elefantíacas ficam por aqui...

Imagens: Mandeville, Livre des Merveilles, in Albert Schramm, Der Bilderschumck der Fruhdrucke, Leipzig, 1921.
Sebastien Brant, Fables d’Ésope, f. 196 verso (Bibliothèque Nationale et Universitaire de Strasbourg.)
misericórdia de cadeiral- St Mary's church,Berverley, Yorkshire
Ver: KAPPLER, Claude, Monstres, Démons et Merveilles à la fin du Moyen Age, Payot, Paris, 1980









Ted Noten-mala de mão "Princess house-mouse"-acrílico, rato, colar de pérolas, pega de fio de aço (1995).