O veado é inimigo das cobras como Cristo do Demo. Quando um veado dá com um buraco onde se esconde uma cobra, atira-lhe com água, lança-lhe o bafo mortífero para dentro, obrigando o réptil a sair do covil e depois mata-o.
Quando o veado macho está velho, engole a serpente venenosa. De seguida procura um riacho, onde bebe a água que o vai revivificar, fazendo-o rejuvenescer, largando a velha armação das hastes.
The Queen Mary Psalter,Inglaterra, c 1310-1320 (British Library)
Ilustração The Queen Mary Psalter, de acordo com Bestiário Divino de Guilherme de Clerc

O veado é inimigo das cobras como Cristo do Demo. Quando um veado dá com um buraco onde se esconde uma cobra, atira-lhe com água, lança-lhe o bafo mortífero para dentro, obrigando o réptil a sair do covil e depois mata-o.
Quando o veado macho está velho, engole a serpente venenosa. De seguida procura um riacho, onde bebe a água que o vai revivificar, fazendo-o rejuvenescer, largando a velha armação dos cornos.

A lenda prende-se com os cultos dos ciclos de renovação da natureza e da floresta- próxima do Cernunnos celta e na versão cristianizada o poder do veado é associado a Cristo e à fonte da vida. Os que bebem dela, tal como o veado, limpam-se dos pecados.

«Assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus!»
Sl 42.1-2.

A alegoria moral dos veados que se entreajudam a atravessar o rio é comparada à ajuda que os cristãos prestam ao indicarem os triunfos terrenos em direcção à bem-aventurança celeste.
sala dos Brasões do Palácio de Sinra,  pintado entre 1515 e 1518, por Duarte de Armas, Francisco Dansilha e Jorge Afonso







































Na sala dos Brasões, do Palácio de Sintra, D. Manuel mandou pintar a alegoria. Em torno do escudo régio- do qual ele era o centro, rodam setenta e dois brasões de armas das casas dos mais importantes pares que se esforçavam na vassalagem. O número é alegórico- corresponde aos setenta e dois servidores de Cristo.

«Depois disto, o Senhor designou outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir (...)Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos».
Lc 10,1–20


sarcófago de Alexandre, cena de caça aos veados
Cada caixilho é acompanhado por um veado que, curiosamente, é envolvido por filactérias no que poderia ser uma aproximação à versão da lenda transmitida por Plínio. Segundo esta, Alexandre o Grande, querendo comprovar a longevidade dos veados, promoveu uma caçada para que os animais fossem cobertos por laços de ouro. Passado um século os laços dourados foram encontrados, cobertos com a gordura dos animais.

Se D. Manuel queria evocar o memorial dos a longevidade dos feitos dos seus servidores, a sua equiparação a Alexandre resultaria à medida. A verdade é que nas paredes da sala dos brasões a legenda que mandou escrever completa-lhe a equiparação dos préstimos à causa do reino- “POIS COM ESFORÇOS, LEAIS SERVIÇOS, FORAM GANHADAS, COM ESTAS E OUTRAS TAIS DEVEM SER CONSERVADAS.” As batalhas travadas pelo domínio terreno também são aproximações dos triunfos ao serviço da missão cristã.
.....................
Nota:
Este texto é especulação, mas é minha e do arquitecto Pedro Cid. Portanto, quem o quiser usar, é favor de citar a Zazie do Cocanha e a ele em nota de rodapé.
(o musaranho garante que nunca se lembrou de tal coisa).
Se for em artigo de opinião do Público, podem sempre usar a fórmula do Rui Tavares: "como disse o blogger Ivan Nunes..."substituindo o Ivan Nunes pela Zazie no metro e mais o arquitecto Pedro Cid. Sem esquecer de explicitar que este último não tem currículo académico na qualidade de blogger.

8 comentários:

José disse...

está bom isso, tomei nota da citação :), hum ;)?

sempre o Alexandre, falta o Hefestion e o Bagoas

bjs

z

Teresap disse...

Não quererá falar no veado da lenda da Nazaré?

zazie disse...

É uma boa ideia, essa do veado da Nazaré. Já estava a pensar em continuar com os veados.

.................
beijocas z,
ça marche?

Henrique Dória disse...

Frequentemente os mitos são ambivalentes Parece que o veado da lenda da Nazaré contradiz a vertente do mito em que o veado é o símbolo do bem.Fico com curiosidade à espera que desenvolvas esta vertente. Beijos

zazie disse...

Pois. Eu ontem estive para incluir esse aspecto mas depois achei melhor deixar para outro post.

Creio que já deixei uma pista. A associação ao cernunnos que também podia ser representado por um veado. E aí não é o veado dos bestiários que entra mas uma variação do demo chifrado.

Falta falar das lendas de Santo Eustáquio que confirmam a simbologia cristã.

Mas aqui, em relação à sala dos brasões é mera especulação. Ainda que seja certo que o nº dos brasões só pode ter sido escolhido devido à ligação aos 72 seguidores de Cristo. Em relação a este detalhe tenho fontes e exemplos que o comprovam.

A figuração dos veados parece-me poder inscrever-se nesta simbologia. E até ia mais longe, confrontando-a com a dos cisnes.

A historieta das filactérias e dos laços dos veados de Alexandre é que pode estar forçada. Mas achei piada à ligação e nem era novidade na simbologia imperial do próprio D. Manuel.

(mas eu sou toina que ja´devia ter publicado isto por escrito e baldei-me
eeheh)

zazie disse...

Para dar a César o que é de César- a simbologia do nº e o seu uso fui eu que me lembrei. Este exemplo dos brasões foi o Pedro Cid que associou com base nisso. A partir daí, incluindo simbologia dos veados, é mais ideia minha.

menina-m disse...

e, ja agora, o exemplo do veado a beber no rio no ciclo de cantares do pero meogo, como cristo a purificar o espaço do paganismo feérico...

zazie disse...

É verdade, bom exemplo. Quanto ao que fazem aqui os veados não tenho dúvidas.

bjs