{reposição da Janela Indiscreta com acrescentos}


Malditos sejais, e tu, e tu também!
Pobres de vós, homens de pouca fé

Malditos sejais, hipócritas!
Malditos sejais, pois que não acreditais em mim.

...Maldito seja todo aquele que não tem fé,
Pois só aqueles que têm fé entrarão no Reino dos Céus.

Já não há milagres hoje em dia...

Sabe em que é que eu acredito?
Que acontecem muitos pequenos milagres invisíveis.

Deus ouve as nossas preces, mas concede os seus favores ocultamente.

Reuni os pedaços. Que nada se perca.

Tu homem de fé, nem tu próprio acreditas. As pessoas crêem no Cristo morto,
Mas não no Cristo vivo.

O que é que não suportais em nós?
-Primeiro essa treta da conversão.
-Depois essas caras amarguradas
-Depois essas caras amarguradas
-Vocês são os Cristãos alegres e folgazões,
Enquanto nós somos as almas graves e melancólicas.
Mas se é um cristão alegre, porque anda sempre com esse ar tão triste e solene?
Eu sinto-me livre e contente, sei que Deus me receberá no Paraíso.
-Enquanto as pessoas como nós estão condenadas aos tormentos eternos do Inferno,
não é?

O Senhor com a ampulheta e a segadeira...

O próprio Deus desceu até nós,
Com a sua segadeira e a ampulheta.
Não, não, isto é uma loucura...
E, contudo, quem pode distinguir a loucura da razão?
-Está a ficar mais próximo de Deus
Só precisa de dizer a palavra.

Anda à procura de uvas no meio dos espinhos e não dá atenção à vinha que tem junto de si.

Tu, criança, deste mundo!

...apesar de ser assim, não os faz. Os milagres são contra-natura. Ele não pode contrariar-se a si mesmo.
É tudo tão sem sentido! Tão inútil!

...vou partir, haveis de procurar-me mas para onde eu vou, não podeis vir...

Porque é que vós todos tão crentes tendes tão pouca fé?


A criança... a criança é o mais importante no Reino dos Céus

Concede-me a Palavra...

Este é na verdade o Deus antigo, o de Elias, eternamente o mesmo

agora a vida começa...
... a vida, sim...
a nossa vida...


Foi há 15 anos (29 de Julho de 1988). Foi n'O Independente. Texto sobre Ordet (A Palavra) de Carl Th. Dreyer. E eu escrevi, sobre a sequência da ressureição de Inger: «No cinema não há nada mais fácil do que conseguir um milagre. Todos sabem que a actriz que está a fazer de Inger não está morta e que ressuscitá-la depende apenas de uma ordem do realizador. Mas o prodígio [...]é fazer-nos acreditar que, na verdade, vimos um milagre e vimos um corpo ressucitar em toda a glória da vida [.... A única vez que vi isso acontecer [...]foi neste filme. Se me disserem que é cinema, eu respondo que não é, não.»
Foi no domingo passado, 22 de Outubro de 2000. Não foi no cinema. Foi em Sintra. A Leonor morreu. E todos sabíamos que a Leonor não estava a fazer que estava morta e que ressuscitá-la era impossível. Mas, dez minutos depois, vimos um milagre e vimos um corpo morto ressuscitar em toda a glória da vida. E a única vez que voltei a ver isso acontecer foi no domingo. E se me disserem que é a vida, eu respondo que não é, não.
Ordet. Leonor. Deus.

João Bénard da Costa, Os filmes da minha vida. Os meus filmes de vida, 1º vol. Lisboa, Assírio & Alvim, 2003.

5 comentários:

AC disse...

A Palavra.
Escrevia, faz pouco no meu espaço, neste legado do Dreyer; do trilho de Johannes que aqui encima as imagens.
já o havia comentado no principio, e entretanto encontrei alguém que o tinha como favorito.
achei raro.
Aqui, novamente deparo-me com essa trama lenta, densa em crescendo, como se uma peça se tratasse, e isso alegra-me: encontrar-me aqui em espaço alheio.
um bom dia, limpo de compromissos rasteiros, de olhos postos na esperança.

AC

José disse...

Está bonito Zazie. Cristo vive ressuscitado em nós, sobre isso não há como escapar-Lhe, bem vistas as coisas

agora saiu-me Brigantia na rifa

beijoca

zazie disse...

Viva, Ac. Pois é, há afinidades com meandros imprevisíveis ou nem tanto. Ontem reparei que a Cris dos Dias Felizes também o tinha postado

...............

Beijocas, z, cada vez mais celta.

Frioleiras disse...

excelentes as fotografias e exzcelente o post

(e eu sou católica praticante...)

zazie disse...

Obrigada, Frioleiras.

O Dreyer é que é genial e o texto do Bénard é impressionante porque não foi ficção.