Simeão abandonou o cenóbio, juntamente com um companheiro, para vaguear como os esqueletos do deserto, numa vida selvagem afastada do contacto humano, fortalecendo o corpo e o espírito à custa das maiores privações.
Aí passou vinte e nove anos, até que considerou que esta vida solitária não trazia benefício a mais ninguém e decidiu procurar o exílio no colectivo - na cidade, onde salvaria a próximo com o mesmo apagamento com que a areia lhe apagara os traços.
“
Parto no poder de Cristo, troçarei do mundo”, foi como se justificou ao amigo, fazendo intento de salvar o próximo, burlando o reconhecimento mundano
Depois de passar pela Cidade Santa, dirgiu-se a Emessa, onde viveu até morrer, apenas reconhecido por um religioso da cidade. Aí vai levar a irrisão dos costumes até ao paroxismo de os resgatar.
O seu aparecimento na cidade ficou memorável.
Arrastando um cão morto que encontrou numa lixeira, por uma corda atada à cinta, entrou neste preparo em Emessa, provocando a troça das crianças que corriam atrás dele, batendo-lhe e chamando-lhe louco.
Como autêntico histrião provocador, no dia seguinte, compra umas nozes, entra na igreja e interrompe os ofícios com o barulho irritante que fazia a parti-las. Perante e a admoestação geral, insiste nos disparates, apagando as velas com os dedos. Quando se viu perseguido pelos fiéis que correram atrás dele para o expulsar, sobe ao púlpito e desata a atirar o resto das nozes à cabeça das mulheres.
Só a muito custo o arrancaram do lugar santo. Cá fora, não se deu por vencido- dirigiu-se a umas bancas de pasteleiros e deitou com a doçaria toda para o chão.
À custa de tamanho pandemónio, levou tamanha pancada dos populares que ferido de morte, ainda teve espírito para se auto-ironizar- “Pobre Simão, assim nas mãos destes, não duras nem uma semana”.
Mas durou e montou um autêntico teatro de nonsense na cidade. Às suas excentricidades ninguém ficava indiferente- tanto fazendo com que se rissem e o aplaudissem, como se revoltassem pelas ignomínias que simulava - naquela terra deixou de haver lugar para a anomia.
Falava como um ímpio; dizia palavrões; simulava heresias; quando não andava nu, destapava o rabo aos transeuntes e passava-lhes rasteiras; cagava à vista de toda a gente- comportava-se como um autêntico louco, alternado nesta conduta os disparates mais insólitos com os milagres de que pudicamente não aceitava reconhecimento.
O relato das fantasiosas provocações, deixado por Leôncio de Nápoles é delicioso. Saliente-se estas.
Ao segundo dia, sangrando ainda da fúria popular, foi achado por uns vendedores que, desconhecendo a sua loucura, decidem empregar o monge na venda de frutos secos de tenda para a rua.
Simeão, mal se viu com a banca por conta, pôs-se a comer tudo e a oferecer os figos secos e tudo o resto a quem passava. De tal modo, que passados uns dias não restava nada para os comerciantes venderem.
Mais uma vez foi espancado e até lhe arrancaram os pelos das barbas.
Depois, parece que ganhou o gosto de alternar os disparates com milagres, mas cuidando sempre que passassem despercebidos.
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A um taberneiro, a quem havia dado uma lição de inutilidade da ganância, depois deste lhe agradecer, decidiu contrapor o mérito com excesso de zelo pela sua esposa, fingindo que a havia violado.
Consta que estes monges, à conta do estado de ataraxia adquirido no deserto, deixavam de possuir desejo sexual. No entanto, Simeão simulava-o de forma desconcertante, chegando ao ponto de passar temporadas no prostíbulo e de ser acusado de ter engravidado uma empregadita doméstica.
A ataraxia sexual conseguida nos longos anos de deserto, era usada de forma tão escandalosa quanto o intento oposto que visava.
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Uma vez, o bispo seu amigo, decidiu animá-lo após o estado lastimoso em que ficara no jejum pascal. Convidou-o para se ir banhar com ele aos banhos públicos. Muito contente com a ideia, Simeão, tratou logo de tirar as vestes e as atar à cabeça, como se fora um turbante.
Perante o olhar atónito do religioso que o mandava cobrir-se, ele retorquiu que não via onde estava o mal por apenas fazer uma coisa antes da outra.
Quando passaram pelos banhos das mulheres, Simeão nem esperou mais- foi logo para ali que se dirigiu. O religioso bem lhe gritava que o recinto para os homens era mais além, mas Simeão apenas lhe retorquiu: “Vai-te imbecil! Ali há água quente e água fria; aqui, água quente e água fria. Não há nada de mais nem ali, nem aqui”.
E atirou-se de mergulho para junto das mulheres.
No fim satisfez a curiosidade licenciosa do amigo, que queria saber como é que ele se tinha sentido em tal companhia feminina em pelota.
E o santo louco lá lhe explicou em que consistia o erotismo às avessas- para ele era igual a estarem mulheres ou uns madeiros dentro de água- há muito que se desincorporara.
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Também admoestava os habitantes com técnicas de deliciosa ironia e até os milagres que fazia se misturavam as atitudes menos cristãs que lhe passava pela cabeça imitar.
Ainda que fizesse os seus jejuns às escondidas (e com grande severidade em período pascal) gostava de fingir o contrário para escandalizar toda a gente.
Aos domingos, comprava salsichas em grande quantidade, enrolava-as à volta do pescoço- como se fosse uma estola e começava a comê-las pela manhã, molhando-as em mostarda que segurava na outra mão.
Estava um dia neste banquete, acompanhado da garotada, quando se lhe juntou um homem que sofria de glaucoma e que aproveitou para petiscar das salsichas do monge.
Este, não faz mais nada, vira-se para ele e unta-lhe os olhos com um pedaço da mostarda que tinha na mão. Perante os gritos do desgraçado, retorquiu: vai lavar os olhos com alho e vinagre- imbecil (tratava toda a gente por imbecil).
Depois de muito sofrer e de tudo ter tentado para retomar a visão, o desesperado camponês acabou por seguir a indicação médica do louco. O que arde cura- e não é que ficou a ver de forma cristalina, como nunca sonhara.
Simeão ao ver que o campónio agradecia a Deus o milagre, foi ao seu encontro e, com a mesma displicência com que lhe havia atirado com o molho das salsichas, disse-lhe- «olha, curaste-te imbecil? Então agora deixa de roubar cabras».
Consultar com o texto do relato da vida de Simeão, contado com invejável vivacidade loquaz por Leôncio de Neápolis (Chipre)- in Historias bizantinas de loucura y santidad, Ediciones Siruela, 1999