04.07.2009, Vasco Pulido Valente
«Manuel Pinho entrou anteontem na imortalidade. Nunca na história parlamentar portuguesa governo algum respondera à oposição pelo método simples de lhe fazer "corninhos". Já nesta democracia houve um deputado que chamou a outro f.d.p., sem consequências de maior. Na Monarquia Liberal a ameaça de morte era frequente e o qualificativo de "ladrão" quase diário. E durante a República muitos deputados, dando um passo em frente, andavam com pistolas bem à vista, para edificar (e tranquilizar) a representação nacional. Só dos "corninhos", nesses tempos em que se respeitava a oratória e a força, ninguém se lembrou. Foi preciso o advento de Manuel Pinho para os "corninhos" entrarem ruidosamente na retórica oficial. Mesmo à custa de um ministério, suponho que o homem está feliz.
Sucede que os "corninhos" têm uma intrínseca ambiguidade. Como linguagem gestual não codificada, não se sabe ao certo o que querem dizer. Não acredito que o suave Pinho pretendesse pôr em causa a santíssima mulher de Bernardino Soares (que talvez nem exista). Mas se não pretendeu, que significam os "corninhos"? Podem significar um mundo de coisas. Por exemplo: "A mim não me apanhas tu!", "Toma lá e cala a boca!" ou "Para mim vens de carrinho!". Comentários que, embora não se distingam pela elegância, caem com certeza no domínio do que os senhores deputados aceitam como conversa tolerável. Afinal, na mesma sessão, Sócrates não hesitou em acusar Paulo Portas de histeria, um insulto grave, que a Assembleia não considerou abusivo.
O primeiro problema de Manuel Pinho é a língua portuguesa, que ele não conhece bem. Viveu em Paris, viveu em Washington e partilha com o economista comum uma certa dificuldade de expressão. Não se lhe deve levar a mal que, na falta de palavras, para exprimir a sua reprovação do PC (se de facto se tratava de reprovação), recorresse aos "corninhos". Tanto mais - e é esse o segundo problema de Pinho - quanto Sócrates manifestamente lhe recomendou intransigência e agressividade na defesa do Governo. Com o seu primeiro-ministro cercado pela esquerda e pela direita e, principalmente, pela ingratidão do país, Pinho não se aguentou. Outros fugiram. Outros não abriram a boca. Ele heroicamente fez "corninhos". Como, de resto, o Governo os faz continuamente a todos nós. A tradução correcta dos "corninhos" parece que é, segundo as melhores fontes, "Vocês que se lixem"».