A guerra do Vietname começou com umas centenas de conselheiros militares, depois da "descolonização" do Norte. Kennedy, que hesitava em envolver a América directamente na defesa do Sul, aumentou esse número modesto para 4000 ou 5000. Quando Kennedy morreu, Lyndon Johnson decidiu apoiar esses conselheiros com um pequeno contingente de tropa regular (entre 20.000 e 30.000). Também ele não pensava em mais do que uma operação limitada e numa retirada rápida. Tinha de cumprir o programa da great society, ou seja, de fazer aceitar as reformas da saúde, da educação e das relações rácicas, que fizeram a América moderna, e não queria uma distracção na Ásia. A lógica foi a mesma desde o princípio: criar um poder local forte e democrático e treinar e equipar um exército indígena, que o sustentasse. Essa fantasia acabou com meio milhão de americanos no terreno e a invasão do Camboja e do Laos. Pior ainda numa fuga humilhante.
Barak Obama recebeu anteontem em Oslo o Prémio Nobel da Paz. Na semana em que mandou mais 30.000 homens para o Afeganistão, na semana da maior série de atentados no Iraque pretensamente autónomo (127 mortos, 448 feridos) e na semana em que o regime iraniano se prepara para esmagar a oposição liberal. A lógica de Obama é a lógica de Johnson: criar um poder local forte e democrático (Jonhson teve Thieu, Obama tem Karzai) e um exército capaz de o proteger. Como no Vietname, o Afeganistão inteiro odeia o poder servil e corruptíssimo estabelecido pelo ocupante e a hipótese de exército que o serve. E, como no Vietname, o conflito já alastrou para o Paquistão, que é hoje a verdadeira base do Al-Qaeda e de parte dos taliban e começa a ser submergido pelo radicalismo islâmico. Vai a América marchar para outra tragédia com a arrogância do passado? Provavelmente. Mas com duas grandes diferenças. Primeira, o armamento nuclear do Paquistão. Segunda, a hostilidade da Índia, que não é o Camboja nem o Laos.
Por que consentiu Obama, apesar da oposição do vice-presidente, dos chefes do Estado-Maior Conjunto e de quase toda a Europa, em entrar num caminho que o levará necessariamente a reforçar os reforços, sem esperança, nem propósito? Porque o belicismo e o mito da invencibilidade da América não lhe permitem abandonar uma "causa", proclamada patriótica e, mais do que isso, como ele repetiu em Oslo, exemplar, humanitária e justa. Um Presidente, mesmo que se chame Obama, não nega a ideologia do império. Até quando o império se desagrega e ele põe em perigo a reforma doméstica e um segundo mandato. Para não falar da paz no mundo.
Vasco Pulido Valente- Público de hoje.