Se os dedos e os gestos sempre se inscreveram numa linguagem mágica, os pequenos talismãs, colocados junto ao corpo, ainda lhes acrescentavam poderes superiores, como forma de enfrentar maus-olhados e doenças tão prontamente fatídicas em tempos mais recuados.
O seu uso difundiu-se de tal modo que a preciosidade do material- como o coral ou marfim ou o ouro transformou-os em delicados e artísticos objectos de ourivesaria, cujo uso chegou aos nossos dias, ainda que desactivado do seu sentido inicial.
As crianças em particular eram alvo destes acrescentos de protecção quando a saúde débil os ameaçava.
Velazquez deixou-nos o quadro do pequeno e triste príncipe Filipe, em cujas vestes se prende grande variedade destes talimãs que não lhe evitaram a brevidade da vida.
Em virtude da mistura de judeus e mouros com cristãos aqui, na Península Ibérica, este fundo popular tende a ser assimilado sobrepondo-se a função mágica às condenações que a doutrina católica sempre lhes foi fazendo.
Um dos amuletos com maior perenidade, cujas simbologias se sedimentam de forma complexa é a chamada mão de Fátima. Derivada de sentido milenar do poder da mão- a mão aberta, benfazeja é conhecida desde o neolítico e vai transitando com acréscimos religiosos que tendem a unir-se mais pelo espaço geográfico comum que pelas religiões, por vezes em franco antagonismo histórico, partilhadas por esses povos.
A khansa é a mão aberta- à letra, cinco- os cincos dedos com sentido mágico mas também relacionados, cada um deles, com os cinco mandamentos islâmicas. O termo mão de Fátima foi empregue pelos europeus, numa mutação da ligação entre a figa com a Virgem Maria. Fátima era a filha predilecta do profeta- a Al-Zhara- Vénus resplandecente; a Al-Batûl- a que permaneceu pura mesmo depois de conceber.
A mão aberta, que já tinha esse sentido milenar apotropaico, torna-se também o símbolo de protecção feminina, em forma de amuleto tradicionalmente usado pelas mulheres.
Entre os povos da Palestina era a Kef Myriam (a mão de Maria, irmã de Abraão e de Moisés), neste caso no gesto em forma de cornos, feito pelo dedo mínimo e o indicador. O par de cornos que afasta o mau olhado transita para a forma do crescente- a lua feminina.
Os amuletos com a mão de Fátima também tendem a incluir a estrela de cinco pontas- o signo saimão ou signo de Salomão. Este tradicional talismã tem uma longa tradição na ourivesaria portuguesa, juntando a mão aberta, ou mais comummente a figa com o crescente, o pentagrama ou estrela de David e um coração- o sagrado coração de Maria.
O intuito benfazejo junta-os com o crescente lunar e é por via deste que o sincretismo se efectua. A Senhora da Lua é a mulher vestida de sol, e a lua debaixo de seus pés, do relato do Apocalipse a que clamava com as dores do parto e sofria os tormentos para dar à luz" por sinédoque a Virgem da Imaculada Concepção que na tradição popular se associa aos amuletos do signo saimão e da mão de Fátima.
Com a consagração de Portugal à Virgem da Conceição, efectuada por D. João IV, em agradecimento à Independência do reino, no ano de 1646, o Brasil vai herdar este voto à Imaculada Aparecida como sua padroeira .
É certo que o clero tentou substituir estes amuletos pagãos por cruzes ou medalhas, incluindo as do Papa. Em 1628 foi publicado, em Barcelona, o “Tratado en el qual e repruevan todas las supersticiones y hechizerias”, de Pedro Ciruelo, com esta intenção.
Veio tarde e sem grandes efeitos práticos. Antes dele, ainda foi possível incluir estas mãozinhas de Fátima num colar, usado pela própria Virgem, em momento de lhe ser anunciada pelo Anjo a escolha divina.
Assim mesmo, com vestes galantes e largo decote mostrando o pronunciamento dos seios, esta virgem galante, mostra um colar com seis mãos ao pescoço. Esculpida na janela sul da Casa do Capítulo do mosteiro da Batalha, em meados do século XV, durante a intervenção de Huguet, é um exemplar curiosíssimo do qual não se conhecem paralelos.
O tema foi reconhecido como uma Anunciação de tipologia bizantina1, completado pelo cântaro que transporta, a mão que leva ao ventre e pelo jovem anjo que ajoelha e para ela se vira, no capitel mesmo ao lado.
Não se sabe a quem se deve a autoria destas esculturas, ainda que a mistura pagã esteja bem presente nos temas batalhinos, quer numa versão de uma natividade de tradição gnóstica, de um dos capiteis da capela-mor, quer na mistura entre temas cristãos e simbologias precursoras da mitologia clássica. Tanto pode ter sido artífice mouro como judeu, já que saber artístico partilhado por estas minorias.
Certo é que a ideia de uma demarcação cristã, assim como outras incompatibilidades religiosas e sociais saem tendencialmente bastante beliscadas nos testemunhos iconográficos, mesmo no final da Idade Média, quando o final do longo convívio se avizinha.
O seu uso difundiu-se de tal modo que a preciosidade do material- como o coral ou marfim ou o ouro transformou-os em delicados e artísticos objectos de ourivesaria, cujo uso chegou aos nossos dias, ainda que desactivado do seu sentido inicial.
As crianças em particular eram alvo destes acrescentos de protecção quando a saúde débil os ameaçava.
Velazquez deixou-nos o quadro do pequeno e triste príncipe Filipe, em cujas vestes se prende grande variedade destes talimãs que não lhe evitaram a brevidade da vida.
Em virtude da mistura de judeus e mouros com cristãos aqui, na Península Ibérica, este fundo popular tende a ser assimilado sobrepondo-se a função mágica às condenações que a doutrina católica sempre lhes foi fazendo.
Um dos amuletos com maior perenidade, cujas simbologias se sedimentam de forma complexa é a chamada mão de Fátima. Derivada de sentido milenar do poder da mão- a mão aberta, benfazeja é conhecida desde o neolítico e vai transitando com acréscimos religiosos que tendem a unir-se mais pelo espaço geográfico comum que pelas religiões, por vezes em franco antagonismo histórico, partilhadas por esses povos.
A khansa é a mão aberta- à letra, cinco- os cincos dedos com sentido mágico mas também relacionados, cada um deles, com os cinco mandamentos islâmicas. O termo mão de Fátima foi empregue pelos europeus, numa mutação da ligação entre a figa com a Virgem Maria. Fátima era a filha predilecta do profeta- a Al-Zhara- Vénus resplandecente; a Al-Batûl- a que permaneceu pura mesmo depois de conceber.
A mão aberta, que já tinha esse sentido milenar apotropaico, torna-se também o símbolo de protecção feminina, em forma de amuleto tradicionalmente usado pelas mulheres.
Entre os povos da Palestina era a Kef Myriam (a mão de Maria, irmã de Abraão e de Moisés), neste caso no gesto em forma de cornos, feito pelo dedo mínimo e o indicador. O par de cornos que afasta o mau olhado transita para a forma do crescente- a lua feminina.
Os amuletos com a mão de Fátima também tendem a incluir a estrela de cinco pontas- o signo saimão ou signo de Salomão. Este tradicional talismã tem uma longa tradição na ourivesaria portuguesa, juntando a mão aberta, ou mais comummente a figa com o crescente, o pentagrama ou estrela de David e um coração- o sagrado coração de Maria.
O intuito benfazejo junta-os com o crescente lunar e é por via deste que o sincretismo se efectua. A Senhora da Lua é a mulher vestida de sol, e a lua debaixo de seus pés, do relato do Apocalipse a que clamava com as dores do parto e sofria os tormentos para dar à luz" por sinédoque a Virgem da Imaculada Concepção que na tradição popular se associa aos amuletos do signo saimão e da mão de Fátima.
Com a consagração de Portugal à Virgem da Conceição, efectuada por D. João IV, em agradecimento à Independência do reino, no ano de 1646, o Brasil vai herdar este voto à Imaculada Aparecida como sua padroeira .
É certo que o clero tentou substituir estes amuletos pagãos por cruzes ou medalhas, incluindo as do Papa. Em 1628 foi publicado, em Barcelona, o “Tratado en el qual e repruevan todas las supersticiones y hechizerias”, de Pedro Ciruelo, com esta intenção.
Veio tarde e sem grandes efeitos práticos. Antes dele, ainda foi possível incluir estas mãozinhas de Fátima num colar, usado pela própria Virgem, em momento de lhe ser anunciada pelo Anjo a escolha divina.
Assim mesmo, com vestes galantes e largo decote mostrando o pronunciamento dos seios, esta virgem galante, mostra um colar com seis mãos ao pescoço. Esculpida na janela sul da Casa do Capítulo do mosteiro da Batalha, em meados do século XV, durante a intervenção de Huguet, é um exemplar curiosíssimo do qual não se conhecem paralelos.
O tema foi reconhecido como uma Anunciação de tipologia bizantina1, completado pelo cântaro que transporta, a mão que leva ao ventre e pelo jovem anjo que ajoelha e para ela se vira, no capitel mesmo ao lado.
Não se sabe a quem se deve a autoria destas esculturas, ainda que a mistura pagã esteja bem presente nos temas batalhinos, quer numa versão de uma natividade de tradição gnóstica, de um dos capiteis da capela-mor, quer na mistura entre temas cristãos e simbologias precursoras da mitologia clássica. Tanto pode ter sido artífice mouro como judeu, já que saber artístico partilhado por estas minorias.
Certo é que a ideia de uma demarcação cristã, assim como outras incompatibilidades religiosas e sociais saem tendencialmente bastante beliscadas nos testemunhos iconográficos, mesmo no final da Idade Média, quando o final do longo convívio se avizinha.
1Carlos Alberto Ferreira de Almeida, A Anunciação na arte medieval em Portugal , Porto, Faculdade de Letras, Instituto de História de Arte, 1983.
Consultar também:
. Elworthy, The devil eye, London, 1895.
. G.J. de Osma, Catálogo de azabaches Composteleanos, precedido de apotamentos sobre os amuletos contra o mau-olhado Madrid, 1916.
. José Leite de Vasconcelos, « Signum Salomonis », in O Archeólogo Português, XXIII, 1918, pp. 203-313; J.Herber, “La main de Fatima”, Hesperia, Tome VII, Année 1927, pp. 209-219
. José Travaços Santos, “Perguntas e incertezas na decifração duma escultura do Mosteiro” Jornal da Batalha, Jullo, 1993.
. W.L. Hildburg, “Images of human hand as amulets ins Spain”, Journal of the Warburg Institute, n.18, 1955, pp. 67-89