Quando terríveis acontecimentos assolavam as cidades, os presságios devoravam os sudários dos mortos e lançavam gritos agudos como os porcos quando comem*.
*Christian Friedrich Germann (1640-1708), De Miraculis Mortuorum, Leipzig, Kirchner, 1670.
antes risos que prantos escrever, sendo certo que rir é próprio do homem [Rabelais]
*Christian Friedrich Germann (1640-1708), De Miraculis Mortuorum, Leipzig, Kirchner, 1670.
«(...)Je pourrais m'écrier alors avec le Prophète : « Après avoir été exalté, j'ai été humilié et rempli de confusion (Psalm. LXXXVII, 16); » ou bien: « Je danserai afin de paraître plus vil encore (II Reg., VI, 22). » Oui, pour faire rire de moi, je me laisserai aller à une sorte d'extravagance, mais à de bonnes extravagances qui charment les regards de Dieu si elles blessent ceux de Michel; qui peuvent me rendre ridicule aux yeux des hommes, mais qui sont pour les anges le plus charmant spectacle. Oui, je le répète, ce sont d'excellentes folies que celles qui nous exposent à la risée des riches et au mépris des superbes; mais ce sont de véritables extravagances pour les gens du monde qui nous voient dédaigner ce qu'ils recherchent avec ardeur, et désirer au contraire de toutes nos forces ce qu'ils évitent avec le plus grand soin; nous leur faisons l'effet de ces baladins et de ces bateleurs qui attirent sur eut les regards de la foule quand on les voit, contre les lois de la nature humaine, se tenir debout et marcher la tète en' bas et les pieds en l'air; seulement nos extravagances à nous n'ont rien de puéril, rien qui rappelle ce qu'on voit sur le théâtre, où des gestes efféminés et corrompus réveillent les passions et représentent des choses honteuses; elles sont charmantes, honnêtes, graves, belles et capables de flatter les regards mêmes des esprits célestes qui les contemplent. C'étaient là les pures et saintes extravagances de celui qui disait: « Nous sommes en spectacle aux anges et aux hommes (I Cor., IV, 9).» Puissent-elles être les nôtres, afin que nous soyons exposés dans le monde à la risée, aux moqueries et aux humiliations de tous, jusqu'à ce que celui qui brise les grands et exalte les humbles vienne pour nous inonder de joie et de gloire et pour nous exalter à jamais.»
Wilgeforte
Outra barbadinha por decisão própria. Neste caso as barbas cresceram-se por milagre. Wilgeforte, também conhecida por Santa Librada no país vizinho ou Liberata em França, numa das versões mais correntes da lenda, teria sido uma princesinha portuguesa, muito casta e de grande personalidade.
Contra os intentos do pai, que a queria ver casada com um príncipe pagão, a menina, que era uma devota cristã, rogou a Deus que lhe fizesse crescer umas grandes barbas em troca dos prazeres esponsais.
Deus acudiu à casta prece e fez-lhe crescer tamanhas barbichas que demoveram todo e qualquer intuito por mais viril e pagão que fosse.
O pai, enraivecido com tamanha desobediência, manda crucificar a filha que assim se torna mais uma mártir lendária.
A lenda tem raízes noutros mitos andróginos um dos quais derivado de uma interpretação errónea do “Volto Santo” de Lucca. Nesse crucifixo que existia na basílica de Lucca, Cristo aparecia coroado na cruz e vestido com uma túnica, tornando-se uma imagem muito adorada pelos romeiros. Com o curso do tempo houve uma série de fusões lendárias, acabando por se transformar numa imagem de mulher mártir, padroeira dos peregrinos.
Em virtude do carácter de auto-privação dos prazeres, o mito da Wilgeforte é clinicamente associado à anorexia.
Imaginamos que tendo em conta a suspeita ira paterna, talvez não fosse de todo descabido se viesse a tornar-se um ícone semelhante a uma Laura Palmer barbada.
De qualquer forma, João César Monteiro também a imortalizou no Vai e Vem - como mais uma das candidatas a mulher a dias de Vuvu - a apetitosa Urraca, de barbichas tamanhas que como ele dizia, talvez dessem para fazer uma trança...
“se a menina fosse sáfica fazia-se um trança bem enteiriçada, dava-se meia volta e juntava-se na passarinha...”
Papisa Joana
A lenda foi posta a correr no século XIII, mas a dita papisa teria ocupado usurpado o trono pontifício no século IX, sucedendo a Leão IV com o nome de João VIII. Segundo uma crónica dominicana, era uma jovem e bela rapariga, nascida em Mogúncia, na Alemanha, também esta de nariz muito empinado, que um belo dia decidiu disfarçar-se de homem para viver mais livremente com o seu amante.
Tomou o nome de João de Inglaterra (Johannes Anglius) e seguiu um autêntico percurso de intelectual libertária. Vai para Atenas onde desenvolve os estudos, segue depois para Roma onde leccionou o trivium numa escola frequentada por mestres de renome.
Adquiriu tal reputação intelectual que acabou por ser eleita como Papa, ocupando o mais alto cargo da Igreja durante dois anos. Se o dever pontifício foi bem cumprido, parece que enquanto mulher também não se esqueceu outras actividades mais profanas— ao fim de dois anos de coroa papal, deu à luz uma criança.
A partir daqui as lendas dividem-se. Segunda uns, morreu de parto quando ia a cavalo numa procissão em direcção à Basílica de S. Pedro de Latrão.
Noutras versões, o parto traiu-a e acabou amarrada à cauda de um cavalo e apedrejada publicamente até à morte. Nas imagens alusivas este triste final não é adoptado, preferindo mostrar-se um bizarro parto papal perante a Cúria Romana em peso.
Dizem as más-línguas que a Santa Sé é que pôs as barbas de molho e até se inventou uma bizarra cadeira com o acento furado— o estercorário— para, daí para a frente, se verificar o sexo do santo pontífice, não fosse o diabo, ou outra barbadinhas tecê-las.
Magdalena Ventura
Filhas do povo, personagens anónimas, alguma delas convertidas em monstros de feira, por muitas outras barbadas não reza a história. Uma há que foi imortalizada por dois famosos pintores.
A estranha napolitana Magdalena Ventura, casada e mãe de uma criança, apresentada como um caso milagroso de parada de horrores.
Em 1631 José de Ribera pintou-a em família, acentuando o carácter bizarro e triste e funesto destes personagens.
Goya que conheceu o quadro e sempre tivera dom para mostrar que monstros são os outros, desenhou-a cândida e alegre com o filho ao colo, deliciado com a possibilidade de brincar com as barbinhas da mãe. Só faltava que esta entoasse a velha cantilena:
“ palminhas e mais palminhas,
que a mamã dará maminhas,
e o papá quando vier
dará sopinhas de mel.”
Para última, uma barbadinha progressista do início do século:
Madame Delait
Nascida em Thaon, era uma mulher moderna e emancipada que não hesitou em aderir ao clube das ciclistas da região- antecipando uma versão mais pilosa da cançoneta: eu cá para mim não há, ai não, maior prazer que o selim e a mulher...
Pode dizer-se que também nunca lhe faltou barba para o negócio, aumentando as vendas da cafetaria que possuía, à custa de postais ilustrados da sua própria deformidade. À custa dos excessos peludos ainda atingiu a fama internacional, ganhando mesmo o prémio da Francesinha Barbada, disputado no hipódromo de Vichy.
É claro que actualmente estas barbadinhas não precisam de ser mulheres nem terem barbas, e vice versa- eles também podem ser elas, barbas e sexo à parte.
É que essa é uma historieta doutrinária em que a pedagogia antecipa o aparecimento de qualquer pilosidade nos meninos e meninas. E nunca se lhe poderia chamar um fenómeno monstruoso ou marginal- afinal de contas até a agenda missionária europeia recomenda o treino nas escolas, em nome da Igualdade de Oportunidades para todos.
Brincar às casinhas
Sobre este frenesim das bichonas, escuso de me repetir,no essencial. Basta repor o que já aqui declarei há uns anos, com duas pequenas actualizações (desde então, apenas as eleições e o tsunami mudaram de vítimas)...A juntar às eleições nos Estados Unidos, ao Tsunami nas metafinanças e ao Holocausto da Segunda Guerra Mundial, outro dos grandes problemas nacionais, dos mais prementes e prioritários na agenda política, é a adopção de crianças por casais homossexuais. Começo por dizer que não entendo, não é compreensível sequer, que os homossexuais sendo tão avançados, tão liberabundos, afrontando tão visceralmente a sociedade num dos seus núcleos fulcrais (a própria família biológica –e que eu saiba, não há outra), se tenham depois contentado com aquela farsazinha burguesa do casal. O maridinho e a esposa, a esposa e o maridinho, quiçá por turnos, numa monogamia tão rançosa quanto a dos piores burgueses de Stendhal. Para cúmulo, como se essa paródia grotesca já não bastasse, agora reclamam o resto dos acessórios, a filharada em comitiva, de lacinho e chapéu, para irem todos -muito dignos e apessoados - à missa, ao domingo. Antes disso, e depois também, é mais que certo que tratarão de mover o céu e a terra de modo a obrigar os padres a casá-los, a baptizar-lhes os fedelhos adoptivos, a dar-lhes catequese, e a ouvi-los –a todos, aos cabrões dos putos e aos estafermos dos pais – em confissão semanal. Menos que isso, ó da guarda, que é discriminação. Uma miséria, enfim! Mandá-los a todos para o caralho seria redundante.
Mas, isto do "casal" intriga-me. De facto, porquê casal homossexual? Porque não trio, quarteto, quinteto, caterva, centúria ou, como até bem mais emblemático seria, comboio ou sanduiche? Porque carga de água se lembraram de arremedar a famelga tradicional, estúpida, obsoleta, e não o grupo de jazz, a tuna académica ou o expresso transcontinental? Porquê uma monogamia a todos os títulos gasta, nas vascas, e não uma poligamia, ou poliandria, ou policongresso itinerante? Como quereis que vos levem a sério, ó bichonas, com essas parelhazinhas de imitação, de pechisbeque, de pacotilha? Casal por casal, o juiz, que não é parvo nenhum, entrega o desgraçado do órfão aos burgueses tradicionais, caga-se nos peregrinos. E acho muito bem. Mal por mal, antes aquele que já se conhece e contra o qual já existe legislação. Agora imaginem: “Quarteto homossexual”, “comboio homossexual”...
É catita, não? O meirinho anunciava: “meritíssimo, está lá fora um “comboio homossexual” que pede para adoptar uma criança, de preferência menino!” Aqui, o juiz, no mínimo, impressionado pelo número, hesitava, suspendia na balança e era forçado a admitir que vinte, ou duzentos (fora os contactos, as liaisons), sempre pesam mais que dois. Mesmo um quarteto ou quinteto, um trio que fosse, já acrescentavam qualquer coisa. Já o levavam a pensar duas vezes. Já o punham a fazer contas de cabeça, a extrair raízes quadradas, co-senos e algoritmos.
Nestes nossos dias, a contabilidade é preciosa, vale muito, avassala as mentes. É preponderante. Agora assim, vão duas avantesmas amaneiradas, a cavalo num livro de cheques, de braço dado, e o que é que o meirinho murmura ao juiz? “meritíssimo, estão ali fora duas bichonas, armadas em barbies chocas, a pedirem criancinhas para irem brincar às casinhas!” Em resumo: um casal homossexual, gay, ou o que lhe queiram chamar, não é digno de adoptar crianças porque é uma anedota de mau gosto, uma bimbalhice abaixo de cão, mais digna até de dó e cuidado clínico que propriamente de apedrejamento ou invectiva. E se a inteligência e o conhecimento são limitados, a estupidez também deveria sê-lo.
Urgentemente. Até por uma questão de higiene e saneamento básico. Quando não, é a própria sanidade mental das sociedades que entra em colapso. Porque em degradação consumptiva anda ela há muito tempo.
PUBLICADA POR DRAGÃO EM 10/25/2008 08:56:00 PM
«(…)Para evitar mal-entendidos, começo pela distinção banal entre homossexualidade, uma inclinação acidental, e conduta homossexual, uma acção orientada pela finalidade de satisfazer a inclinação. Só a segunda é objecto de juízo moral. Ninguém é responsável pelo “dado” da inclinação. A conduta homossexual é imoral porque degrada dois bens fundamentais, dois elementos básicos para a realização das capacidades próprias da vida humana. (1) O primeiro bem é a unidade moral da pessoa, manifestada na unidade entre o corpo, a mente (ou intelecto) e as sensações. Estas três “partes” do humano não se confundem, mas só reflectem a pessoa integral quando, como insistiram os clássicos, se acham bem ordenadas num todo orgânico. A homossexualidade corresponde à utilização do corpo e da mente para satisfazer a sensação, ou as inclinações, quebrando a sub-ordenação do sensível ao corporal e intelectual. O ser-humano degrada-se a condição de escravo das inclinações. E exactamente pelas mesmas razões que condenamos a conduta de um “masoquista” que se auto-mutila ou causa dor a si próprio por prazer. O substrato ontológico dessa intuição moral e a estranheza profunda de um “ego” que se liberta do corpo para se escravizar as inclinações. Um ser-humano que se serve do corpo como um instrumento vive uma vida desumana.
(2)O segundo bem é a amizade. A amizade, um bem fundamental ou básico da vida humana, manifesta-se de forma especifica no casal, devido a presença do amor erótico. O amor erótico, no entanto, não pode apoderar-se do desiderato mais amplo presente na amizade conjugal: a plena comunhão de vida e, por essa razão, a ligação inseparável entre os cônjuges na totalidade das suas três “partes”. A conduta homossexual, no entanto, é incapaz de proporcionar essa plena comunhão de vida, porque implica a utilização do corpo do outro para a mera satisfação das inclinações que se apoderam do ego. O amor homossexual é impossível porque não pode deixar de ser mediado pela instrumentalização do outro, pela redução do outro a um objecto de prazer. Trata-se de uma forma particularmente nefasta de embrutecimento moral do ser-humano.
2) Repare que o meu argumento no ponto anterior não implica qualquer apelo a premissas teisticas. Trata-se apenas de uma formulação de um juízo pratico, ético. No plano da ordem moral – embora não no plano metafísico para o qual podemos sempre escalar – pode mesmo dizer-se que o argumento defendido no ponto anterior é independente da existência ou não de Deus e da verdade ou não da revelação e da tradição especificamente católicas. A teologia moral católica não depende da teologia dogmática (daí São Tomás ter escrito que “a lei natural e a participação da criatura racional na lei eternal”. Só carecemos do bom uso das faculdades racionais ou intelectivas do ser-humano). No entanto, a resposta a sua pergunta e evidente: a moral cristã não aceita a conduta homossexual como boa. Aceita, isso sim, o “dado” incontornável da inclinação homossexual. E mais: protesta pelo amor e compreensão para com aqueles que foram carregados com semelhante fardo. A acção governada por tal inclinação é um mal absoluto, como já expliquei.
3) Não. Há uma diferença importante entre reprimir a conduta homossexual, e.g. a sodomomia, com o aparato coercivo do Estado, e criar através de normas secundárias, normas atributivas de poderes jurídicos, uma projecção juridical da relação homossexual. Claramente o Estado não deve atribuir aos indivíduos as faculdades jurídicas para que estes se vinculem ao mal. Tal como não se devem permitir contratos de mutilação, não se devem permitir casamentos, ou uniões civis, entre homossexuais. Isto não significa, no entanto, que o Estado deva reprimir, através de normas primarias de conduta e de um esquema de sanções punitivas, a conduta homossexual. A intervenção do Estado na vida das pessoas deve observar um teste baseado em três critérios: (a) eficácia, (b) prudência, (c) subsidiariedade. Como não vivemos numa Gomorra em que a homossexualidade se tornou uma pratica dominante e ameaça destruir as virtudes básicas da moral sexual, acho que seria claramente um erro, um abuso de poder, o Estado reprimir a homossexualidade.
4) Não. No mínimo, o Estado não deve atribuir qualquer relevância jurídica, imediata (como no casamento ou união) ou reflexa (como no caso dos benefícios fiscais), a praticas que contribuem para a destruição do carácter e da integridade de vida do ser-humano. Se houver lugar a algum tipo de disciminação, ele será sempre negativa.
5) O conceito de “capacidade volitiva”, tal como outros conceitos centrais da filosofia politica e jurídica liberal, e incoerente. Trata-se de distinguir entre aqueles que são capazes de liberdade de escolha e os que não são. A importância da distinção é óbvia: ela permite manter o princípio liberal da neutralidade ou agnosticismo relativamente a condução da vida individual, ao mesmo tempo que exclui categorias de pessoas cujas escolhas julgamos inapropriadas ou erradas do domínio de aplicação do principio. A distinção, no entanto, colapsa perante a verificação de que para identificar uma categoria de pessoas ou actos como expressão de incapacidade volitiva, temos de fazer juízos morais substantivos sobre as escolhas, reais ou hipotéticas, atribuídas a essas pessoas ou implícitas em certos actos. Ou seja: não há forma de evitar um escrutínio da vida alheia baseado numa concepção do bem e do mal, da virtude e do vicio. Uma vez chegados a esta conclusão, é desmascarada a ideologia voluntarista que dividia falsamente o universo moral entre “livres” e “não-livres”, somos forcados a compreender que a realidade apresenta um continuum de situações polarizado pelos extremos do “mal absoluto” e da “bondade absoluta”. A nua e crua realidade não é a do mundo divido nos hemisférios dos “capazes de escolha” e os “incapazes de escolha”; a realidade e bem mais complexa e gradual. O regime de tratamento dos inúmeros casos que ligam os dois pólos do continuum mostra que a chamada intervenção “paternalista” na vida pessoal e frequente e com intensidades diferentes. Dai que para mim o caso da pessoa que se auto-mutila, ou da que escolhe cláusulas prejudiciais na formação de um contrato, não sejam casos difíceis, de ‘fronteira’ Eu não acredito na fronteira; trata-se de uma ilusão. São apenas casos que se situam no domínio normal entre os dois pólos. (Este tema mereceria um tratamento muito mais extenso; infelizmente não é nem a altura nem o lugar para isso)»
brabon sylvius/Chevalier du Cygne/Lohengrin/duque de Brabante- cavaleiro do Graal-filho do Cisne Negro do Mar do Norte, no coro da catedral da terra do Bosch
Well, this theory, that I have, that is to say, which is mine,... is mine
Os bons bloggers são como as marcas registadas, não prolificam a retalho.
Algo me diz que o caríssimo Paulo Cunha Porto está de regresso a casa .
Aqui fica uma musiquinha para animar a mudança.
Ninguém certamente confunde a plutocracia com o grande comércio ou com a grande indústria. A concentração que os fez surgir é determinada ou por condições económicas gerais ou por condições específicas da produção. É útil economicamente, pode ser impecável nas suas relações com o trabalho e com o público e em certo casos não está na sua mão ser ou não ser. Também ninguém confundirá a plutocracia com a finança. Enquanto houver moeda e crédito e propriedade privada e capitais mobiliários e a produção gerida por uns e abastecida de capitais por outros tem de haver finança. E esta, é útil, por ser igualmente impecável. Mesmo quando especula, dentro de certos limites, a finança tem utilidade social. Pode até o financeiro, como outros administradores de grandes riquezas, não ser rico; mas exactamente porque manuseia matéria de verificação delicada — dinheiro, títulos, crédito — pode ter intervenções inconvenientes na vida económica e arrastar consigo muitos valores que se lhe confiam ou o seguem nas suas operações.
Quando joga, deixa de interessar à economia; nós podemos dizer que está fora da sua função.
O plutocrata não é, pois, nem o grande industrial nem o financeiro; é uma espécie híbrida, intermediária entre a economia e a finança; é a «flor do mal» do pior capitalismo. Na produção não lhe interessa a produção mas a operação financeira a que pode dar lugar; na finança não lhe interessa a regular administração dos seus capitais, mas a sua multiplicação por jogos ousados contra os interesses alheios. O seu campo de acção está fora da produção organizada de qualquer riqueza e fora do giro normal dos capitais em moeda; não conhece os direitos do trabalho, as exigências da moral, as leis da humanidade. Se funda sociedades é para lucrar apports e passá-las a outros; se obtém uma concessão gratuita é para a transferir como um valor; se se apodera de uma empresa é para que esta lhe tome os prejuízos que sofreu noutras. Para tanto, o plutocrata age no meio económico e no político sempre pelo mesmo processo — corrompendo. Porque estes indivíduos, a quem alguns chamam grandes homens de negócios, vivem precisamente de três condições dos nossos dias: a instabilidade das condições económicas; a falta de organização da economia nacional; a corrupção política — Quem tenha os olhos abertos para o que se passou aqui e para o que se passa lá fora não pode duvidar do que afirmei
«(...)Não compete à Igreja tomar conta da saúde pública. Esse é o papel dos Estados, os quais são seculares - portanto, onde há separação de poderes entre o Estado e a Igreja. Se o Estado decidir, por exemplo, legalizar o aborto, a Igreja não tem forma de o impedir e terá de viver com essa lei. Assim, qualquer doença deve, em primeiro lugar e como direito dos cidadãos, ser alvo dos cuidados do Estado e seus instrumentos. Se, para além destes, ainda contarmos com o apoio da Igreja, óptimo. Mas lembra-te que tu não pagas impostos para que a Igreja tenha esse papel; é da sua iniciativa e a suas expensas.
-A Igreja é tão radical na defesa da vida que chega ao ponto de comprar guerras que parecem escandalosas aos que não são crentes, como a questão do aborto e dos contraceptivos - onde se inclui o nosso tópico do preservativo. Assim, tudo o que a Igreja faz tende a ser em nome da sua coerência face a esse propósito fundamental de proteger a vida.
- Na específica questão do combate à SIDA, como noutras áreas da assistência social, a Igreja é quem conhece melhor o terreno, pois mais de 25% dos cuidados mundiais prestados a doentes com SIDA estão a cargo de instituições católicas. Para além desta relação directa com a epidemia, a Igreja leva a cabo inúmeros programas de desenvolvimento e assistência de urgência aos mais necessitados, levando alimento, remédios, educação e informação. Tudo isto é combater a SIDA, salvando vidas e sendo infinitamente mais eficaz do que qualquer campanha imbecil que ninguém leva a sério, nem leva a que se mudem os comportamentos.
- O teu problema é até cruel na sua ironia. Tu achas que se a Igreja aprovasse as relações sexuais fora do matrimónio, e fora do amor (só porque existe desejo sexual, não importando que se reduza o outro ao seu corpo), ela estaria a combater a SIDA desde que recomendasse o uso do preservativo. Mas o mais certo seria que, assim, a Igreja estivesse a validar o problema que está na origem da SIDA: a promiscuidade.
Então, finalmente, os crentes poderiam dizer que a Igreja estava do lado daqueles que usam a sua sexualidade de forma egoísta e irresponsável, bastando apenas que se colocasse o preservativo para estar tudo bem perante Deus. Isto, como espero que reconheças com rapidez, não só transformaria a Igreja numa organização contraditória e inútil, como levaria ao aumento das relações sexuais de risco.
- Não se conhecem casos de indivíduos católicos que tenham invocado a doutrina para não usarem preservativo em relações sexuais de risco. O que se conhece é uma percentagem elevadíssima de indivíduos sem qualquer vínculo religioso, e cheios de informação sobre a doença, que se recusam a usar preservativo, ou que aceitam não o usar nos momentos da oportunidade. É isto que importa pensar.»
Burroughs, The Electronic Revolution
"O simulacro nunca é o que oculta a verdade - é a verdade que oculta que não existe. O simulacro é verdadeiro".
Eclesiastes
{reposição}
Jorge Nesbitt, "Untitled", 2008. Oil and graphite on book page, 14,7 x 23,5 cm.