A propósito de ligações e casórios homossexuais:

«(…)Para evitar mal-entendidos, começo pela distinção banal entre homossexualidade, uma inclinação acidental, e conduta homossexual, uma acção orientada pela finalidade de satisfazer a inclinação. Só a segunda é objecto de juízo moral. Ninguém é responsável pelo “dado” da inclinação. A conduta homossexual é imoral porque degrada dois bens fundamentais, dois elementos básicos para a realização das capacidades próprias da vida humana. (1) O primeiro bem é a unidade moral da pessoa, manifestada na unidade entre o corpo, a mente (ou intelecto) e as sensações. Estas três “partes” do humano não se confundem, mas só reflectem a pessoa integral quando, como insistiram os clássicos, se acham bem ordenadas num todo orgânico. A homossexualidade corresponde à utilização do corpo e da mente para satisfazer a sensação, ou as inclinações, quebrando a sub-ordenação do sensível ao corporal e intelectual. O ser-humano degrada-se a condição de escravo das inclinações. E exactamente pelas mesmas razões que condenamos a conduta de um “masoquista” que se auto-mutila ou causa dor a si próprio por prazer. O substrato ontológico dessa intuição moral e a estranheza profunda de um “ego” que se liberta do corpo para se escravizar as inclinações. Um ser-humano que se serve do corpo como um instrumento vive uma vida desumana.
(2)O segundo bem é a amizade. A amizade, um bem fundamental ou básico da vida humana, manifesta-se de forma especifica no casal, devido a presença do amor erótico. O amor erótico, no entanto, não pode apoderar-se do desiderato mais amplo presente na amizade conjugal: a plena comunhão de vida e, por essa razão, a ligação inseparável entre os cônjuges na totalidade das suas três “partes”. A conduta homossexual, no entanto, é incapaz de proporcionar essa plena comunhão de vida, porque implica a utilização do corpo do outro para a mera satisfação das inclinações que se apoderam do ego. O amor homossexual é impossível porque não pode deixar de ser mediado pela instrumentalização do outro, pela redução do outro a um objecto de prazer. Trata-se de uma forma particularmente nefasta de embrutecimento moral do ser-humano.


2) Repare que o meu argumento no ponto anterior não implica qualquer apelo a premissas teisticas. Trata-se apenas de uma formulação de um juízo pratico, ético. No plano da ordem moral – embora não no plano metafísico para o qual podemos sempre escalar – pode mesmo dizer-se que o argumento defendido no ponto anterior é independente da existência ou não de Deus e da verdade ou não da revelação e da tradição especificamente católicas. A teologia moral católica não depende da teologia dogmática (daí São Tomás ter escrito que “a lei natural e a participação da criatura racional na lei eternal”. Só carecemos do bom uso das faculdades racionais ou intelectivas do ser-humano). No entanto, a resposta a sua pergunta e evidente: a moral cristã não aceita a conduta homossexual como boa. Aceita, isso sim, o “dado” incontornável da inclinação homossexual. E mais: protesta pelo amor e compreensão para com aqueles que foram carregados com semelhante fardo. A acção governada por tal inclinação é um mal absoluto, como já expliquei.


3) Não. Há uma diferença importante entre reprimir a conduta homossexual, e.g. a sodomomia, com o aparato coercivo do Estado, e criar através de normas secundárias, normas atributivas de poderes jurídicos, uma projecção juridical da relação homossexual. Claramente o Estado não deve atribuir aos indivíduos as faculdades jurídicas para que estes se vinculem ao mal. Tal como não se devem permitir contratos de mutilação, não se devem permitir casamentos, ou uniões civis, entre homossexuais. Isto não significa, no entanto, que o Estado deva reprimir, através de normas primarias de conduta e de um esquema de sanções punitivas, a conduta homossexual. A intervenção do Estado na vida das pessoas deve observar um teste baseado em três critérios: (a) eficácia, (b) prudência, (c) subsidiariedade. Como não vivemos numa Gomorra em que a homossexualidade se tornou uma pratica dominante e ameaça destruir as virtudes básicas da moral sexual, acho que seria claramente um erro, um abuso de poder, o Estado reprimir a homossexualidade.


4) Não. No mínimo, o Estado não deve atribuir qualquer relevância jurídica, imediata (como no casamento ou união) ou reflexa (como no caso dos benefícios fiscais), a praticas que contribuem para a destruição do carácter e da integridade de vida do ser-humano. Se houver lugar a algum tipo de disciminação, ele será sempre negativa.


5) O conceito de “capacidade volitiva”, tal como outros conceitos centrais da filosofia politica e jurídica liberal, e incoerente. Trata-se de distinguir entre aqueles que são capazes de liberdade de escolha e os que não são. A importância da distinção é óbvia: ela permite manter o princípio liberal da neutralidade ou agnosticismo relativamente a condução da vida individual, ao mesmo tempo que exclui categorias de pessoas cujas escolhas julgamos inapropriadas ou erradas do domínio de aplicação do principio. A distinção, no entanto, colapsa perante a verificação de que para identificar uma categoria de pessoas ou actos como expressão de incapacidade volitiva, temos de fazer juízos morais substantivos sobre as escolhas, reais ou hipotéticas, atribuídas a essas pessoas ou implícitas em certos actos. Ou seja: não há forma de evitar um escrutínio da vida alheia baseado numa concepção do bem e do mal, da virtude e do vicio. Uma vez chegados a esta conclusão, é desmascarada a ideologia voluntarista que dividia falsamente o universo moral entre “livres” e “não-livres”, somos forcados a compreender que a realidade apresenta um continuum de situações polarizado pelos extremos do “mal absoluto” e da “bondade absoluta”. A nua e crua realidade não é a do mundo divido nos hemisférios dos “capazes de escolha” e os “incapazes de escolha”; a realidade e bem mais complexa e gradual. O regime de tratamento dos inúmeros casos que ligam os dois pólos do continuum mostra que a chamada intervenção “paternalista” na vida pessoal e frequente e com intensidades diferentes. Dai que para mim o caso da pessoa que se auto-mutila, ou da que escolhe cláusulas prejudiciais na formação de um contrato, não sejam casos difíceis, de ‘fronteira’ Eu não acredito na fronteira; trata-se de uma ilusão. São apenas casos que se situam no domínio normal entre os dois pólos. (Este tema mereceria um tratamento muito mais extenso; infelizmente não é nem a altura nem o lugar para isso)»


No Portugal Contemporâneo, pelo Modernista

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