Voltando às bolhas e aos ventos do carcanhol.
Desta vez, um casalinho delas: a francesa da Companhia do Mississipi e a inglesa, da Companhia dos Mares do Sul que deflagraram no ano de 1720 para as quais as sátiras literárias e artísticas recorreram à memória das túlipas, fazendo charges de empréstimo.
Arlequin Actionist, Amsterdam, 1720, frontespício original de 1651, republicação de 1720(Prints and Drawings -British Museum)
Na gravura onde se adapta a comédia de origem holandesa- do Arlequim Accionista (Pieter Langendijk (1683-1756), a escatologia da ganância entra em forma de couves pela boca do grande financeiro John Law - o aventureiro inventor do papel moeda e responsável pela crise do Mississipi ) e sai papel de câmbio, multiplicado em despejo pelo traseiro- numa alusão ao Windhandel – o vendedor de ventos- da peça Nederland in Gekheid, wegens de Wind Negotie (Os Países Baixos vão ficar malucos por causa do negócio dos ventos).Neste caso, reciclando-os na multiplicação dos excrementos, feitos sacramentos, à boa maneira medieval.
O espectáculo da loucura passa-se em Paris, entre as ruas Quincampoix e de Veneza, local onde se transaccionavam os stocks do comércio. A loucura apresenta-se num palco, à boa maneira dos festejos carnavalescos da commedie del’arte, proporcionando à multidão sôfrega uma imensidade de peidos de papel milagreiro.
Bombario e Saramouche apresentam um palco pejado de cenouras e couves – numa troça às companhias monopolistas da mania (Kool, significando loucura- o ditado- não compre couves, não compre um saco de gatos) e as acções das cenouras - importadas pela Hoorn, na Holanda.
Estão à venda chapéus de malucos alemães, franceses e ingleses e num canto pode ver-se o especulador “mercuriano” aprisionado numa gaiola para passarões, a receber o ar na cabeça dos foles da loucura.
Está desesperado pela aragem o não absolver. Em baixo, uma ratazana dá o mote do simulacro do negócio- tem um saco de farinha a dizer “eu tenho dinheiro” e na pata uma acção onde se lê: “zero”.
Bernard Baron, de original de Bernard Picard, A Monument Deicated to Posterity, 1721 (British Museum)
Quando a bolha financeira rebentou em Inglaterra, os caricaturistas pediram-nas emprestadas aos holandeses e franceses e trataram apenas de lhes mudar uns detalhes, em torno das velhas alegorias da Fortuna e do Crédito.
No caso da gravura do Monumento dedicado à Posteridade, bastou mudar-se uns nomes, alterando as ruas francesas pelas inglesas onde se processava a especulação e acrescentando-lhe os asilos e hospitais, onde acabariam todos os burlados.
A trombeta da Fama ecoa e o séquito da multidão desgovernada segue a Fortuna, que mais se assemelha uma meretriz a fazer da Lady Pecunia da Carroça do Infortúnio- Nua e alegre, a todos vais distribuindo as “couves de papel”
Ao tom escatológico da anterior acrescenta-se este sentido de logro de prostitutas a que se associa a ganância dos especuladores.
As nuvens envolvem o espaço da vanidade dos discursos e do esfumar dos sonhos feitos de ar envenenado de Exchange Alley.
Sentada na carroça, vai a Loucura, oferecendo-se, qual Diana badalhoca, de lua em cima do toucado dos guizos de mãe bufa, com ampla crinolina a satirizar essa mistura entre moda e prostituição da sedução da bolha dos Mares do Sul.
Os vícios das perversões e fetiches do novo crédito acompanham os tempos e também se refinam.
A réplica inglesa de ainda incluiJohn Law , o responsável pela introdução do papel moeda em França, durante a regência do Duque de Orleães e também, ao que consta, pelas consequências desastrosas na bolha da Companhia do Mississipi.
Entre prostitutas, chulos e investidores, a dama da bolha recebe a corte de dependentes, com os judeus na primeira fila, como satirizavam as baladas da época.
Sad and joyful, high and low
Court Fortune for her graces
And as she smiles and frowns, they show
their gestures and grimaces
With Jews and Gentiles undismay'd,
Young tender Virgins mix,
Of Whiskers nor of Beards affraid,
Nor all their Cousening tricks.
Bright Jewels polished once to deck
The fair ones rising Breast
Or sparkle round her Ivory Neck
Lie pawn'd in Iron Chest.
Nesta mistura entre a copofragia dos financeiros, trocavam-se esperiências e saberes da mais antiga profissão com os novos dealers da “city”.
Young harlots, too, from Drury Lane
Approach the Change in coaches
To fool away the gold they gain
By their obscene debauches
Jonathan Swift também dedicou uns versos a este Leviathan- raça selvagem que se alimenta de naufrágios.
As fishes on each other prey,
The great ones swallowing up the small,
So fares it in the Southern Sea:
The whale directors eat up all.
There is a gulf where thousands fell,
Here all the bold advent'rers came;
A narrow sound tho' deep as hell,
‘Change Alley is the dreadfull name.
Nine times a day it ebbs and flows,
Yet he that on the surface lies,
Without a pilot seldom knows
The time it falls, or when ‘twill rise.
Subscribers here by thousands float,
And jostle one another down,
Each paddling in his leaky boat,
And here they fish for gold and drown.
Now buried in the depths below,
Now mounted up to heaven again,
They reel and stagger to and fro,
At their wits' end, like drunken men.
Meantime, secure on Garraway cliffs,
A savage race, by shipwrecks fed,
Lie waiting for the foundered skiffs,
And strip the bodies of the dead.
Jonathan Swift, 'The South Sea Project', 1721
William Hogarth-The South Sea Scheme, 1724
Hogarth não podia deixar passar a troça e várias foram as alusões ao desastre da bolha da Companhia dos Mares do Sul que foi fazendo ao longo das séries de colapsos de arrivistas e prostitutas no palco do teatro da vida.
A mais completa é a esta, datada de 1724.
O caos e a ruína abateram-se nas ruas de Londres . Ao centro, a roda do carrossel especulativo da Companhia dos Mares do Sul, encimada pelo bode da usura, faz rodopiar um nobre escocês mais um clérigo emparelhado com uma prostituta, no meio das bruxas do sabath. Uma inscrição pergunta ironicamente- quem é que conduz.
No alto do varandim as mulheres dirigem-se à "Casa dos Cornudos", para escolherem maridos e ao longe ainda se avista a catedral de Saint Paul.
À esquerda, o demónio, transformado em Saturno, esfarrapa com a gadanha o corpo da Fortuna, atirando os pedaços do corpo para cima da multidão.
Mais abaixo, as religiões ajoelham-se para uma partida de jogo entre um protestante, um católico e um judeu- “jogando aos dados o manto de Cristo”- enquanto a honestidade é partida à martelada na roda do Interesse Próprio e a Vilania chicoteia a Honra. Na parede da Direita foi erigido um memorial à morte do Comércio, detalhe a que os frenéticos adoradores de Mammon nem prestam atenção.
Desta vez, um casalinho delas: a francesa da Companhia do Mississipi e a inglesa, da Companhia dos Mares do Sul que deflagraram no ano de 1720 para as quais as sátiras literárias e artísticas recorreram à memória das túlipas, fazendo charges de empréstimo.
Arlequin Actionist, Amsterdam, 1720, frontespício original de 1651, republicação de 1720(Prints and Drawings -British Museum)
Na gravura onde se adapta a comédia de origem holandesa- do Arlequim Accionista (Pieter Langendijk (1683-1756), a escatologia da ganância entra em forma de couves pela boca do grande financeiro John Law - o aventureiro inventor do papel moeda e responsável pela crise do Mississipi ) e sai papel de câmbio, multiplicado em despejo pelo traseiro- numa alusão ao Windhandel – o vendedor de ventos- da peça Nederland in Gekheid, wegens de Wind Negotie (Os Países Baixos vão ficar malucos por causa do negócio dos ventos).Neste caso, reciclando-os na multiplicação dos excrementos, feitos sacramentos, à boa maneira medieval.
O espectáculo da loucura passa-se em Paris, entre as ruas Quincampoix e de Veneza, local onde se transaccionavam os stocks do comércio. A loucura apresenta-se num palco, à boa maneira dos festejos carnavalescos da commedie del’arte, proporcionando à multidão sôfrega uma imensidade de peidos de papel milagreiro.
Bombario e Saramouche apresentam um palco pejado de cenouras e couves – numa troça às companhias monopolistas da mania (Kool, significando loucura- o ditado- não compre couves, não compre um saco de gatos) e as acções das cenouras - importadas pela Hoorn, na Holanda.
Estão à venda chapéus de malucos alemães, franceses e ingleses e num canto pode ver-se o especulador “mercuriano” aprisionado numa gaiola para passarões, a receber o ar na cabeça dos foles da loucura.
Está desesperado pela aragem o não absolver. Em baixo, uma ratazana dá o mote do simulacro do negócio- tem um saco de farinha a dizer “eu tenho dinheiro” e na pata uma acção onde se lê: “zero”.
Bernard Baron, de original de Bernard Picard, A Monument Deicated to Posterity, 1721 (British Museum)
Quando a bolha financeira rebentou em Inglaterra, os caricaturistas pediram-nas emprestadas aos holandeses e franceses e trataram apenas de lhes mudar uns detalhes, em torno das velhas alegorias da Fortuna e do Crédito.
No caso da gravura do Monumento dedicado à Posteridade, bastou mudar-se uns nomes, alterando as ruas francesas pelas inglesas onde se processava a especulação e acrescentando-lhe os asilos e hospitais, onde acabariam todos os burlados.
A trombeta da Fama ecoa e o séquito da multidão desgovernada segue a Fortuna, que mais se assemelha uma meretriz a fazer da Lady Pecunia da Carroça do Infortúnio- Nua e alegre, a todos vais distribuindo as “couves de papel”
Ao tom escatológico da anterior acrescenta-se este sentido de logro de prostitutas a que se associa a ganância dos especuladores.
As nuvens envolvem o espaço da vanidade dos discursos e do esfumar dos sonhos feitos de ar envenenado de Exchange Alley.
Sentada na carroça, vai a Loucura, oferecendo-se, qual Diana badalhoca, de lua em cima do toucado dos guizos de mãe bufa, com ampla crinolina a satirizar essa mistura entre moda e prostituição da sedução da bolha dos Mares do Sul.
Os vícios das perversões e fetiches do novo crédito acompanham os tempos e também se refinam.
A réplica inglesa de ainda incluiJohn Law , o responsável pela introdução do papel moeda em França, durante a regência do Duque de Orleães e também, ao que consta, pelas consequências desastrosas na bolha da Companhia do Mississipi.
Entre prostitutas, chulos e investidores, a dama da bolha recebe a corte de dependentes, com os judeus na primeira fila, como satirizavam as baladas da época.
Sad and joyful, high and low
Court Fortune for her graces
And as she smiles and frowns, they show
their gestures and grimaces
With Jews and Gentiles undismay'd,
Young tender Virgins mix,
Of Whiskers nor of Beards affraid,
Nor all their Cousening tricks.
Bright Jewels polished once to deck
The fair ones rising Breast
Or sparkle round her Ivory Neck
Lie pawn'd in Iron Chest.
Nesta mistura entre a copofragia dos financeiros, trocavam-se esperiências e saberes da mais antiga profissão com os novos dealers da “city”.
Young harlots, too, from Drury Lane
Approach the Change in coaches
To fool away the gold they gain
By their obscene debauches
Jonathan Swift também dedicou uns versos a este Leviathan- raça selvagem que se alimenta de naufrágios.
As fishes on each other prey,
The great ones swallowing up the small,
So fares it in the Southern Sea:
The whale directors eat up all.
There is a gulf where thousands fell,
Here all the bold advent'rers came;
A narrow sound tho' deep as hell,
‘Change Alley is the dreadfull name.
Nine times a day it ebbs and flows,
Yet he that on the surface lies,
Without a pilot seldom knows
The time it falls, or when ‘twill rise.
Subscribers here by thousands float,
And jostle one another down,
Each paddling in his leaky boat,
And here they fish for gold and drown.
Now buried in the depths below,
Now mounted up to heaven again,
They reel and stagger to and fro,
At their wits' end, like drunken men.
Meantime, secure on Garraway cliffs,
A savage race, by shipwrecks fed,
Lie waiting for the foundered skiffs,
And strip the bodies of the dead.
Jonathan Swift, 'The South Sea Project', 1721
William Hogarth-The South Sea Scheme, 1724
Hogarth não podia deixar passar a troça e várias foram as alusões ao desastre da bolha da Companhia dos Mares do Sul que foi fazendo ao longo das séries de colapsos de arrivistas e prostitutas no palco do teatro da vida.
A mais completa é a esta, datada de 1724.
O caos e a ruína abateram-se nas ruas de Londres . Ao centro, a roda do carrossel especulativo da Companhia dos Mares do Sul, encimada pelo bode da usura, faz rodopiar um nobre escocês mais um clérigo emparelhado com uma prostituta, no meio das bruxas do sabath. Uma inscrição pergunta ironicamente- quem é que conduz.
No alto do varandim as mulheres dirigem-se à "Casa dos Cornudos", para escolherem maridos e ao longe ainda se avista a catedral de Saint Paul.
À esquerda, o demónio, transformado em Saturno, esfarrapa com a gadanha o corpo da Fortuna, atirando os pedaços do corpo para cima da multidão.
Mais abaixo, as religiões ajoelham-se para uma partida de jogo entre um protestante, um católico e um judeu- “jogando aos dados o manto de Cristo”- enquanto a honestidade é partida à martelada na roda do Interesse Próprio e a Vilania chicoteia a Honra. Na parede da Direita foi erigido um memorial à morte do Comércio, detalhe a que os frenéticos adoradores de Mammon nem prestam atenção.
Consultar: the Bubble Project
John Laws Banque Royale
Sunk in Lucre’s Sordid Charms
Para a versão holandesa com as sátiras literárias
Clarence Mackay, Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds (London: Richard Bentley, 1841).
Anne Goldgar, Tulipmania: money, honor, and knowledge in the Dutch golden age, The University Chicago Press, 2007
E um magnífico estudo dos caricaturistas inglesas do século XVIII, que se recomenda: Mark Hallett, The spectacle of difference. Graphic satire in the age of Hogarth , The Paul Mellon Centre for Studies in British Art, Yale University Press, New Haven & London, 1999.