Como se contava na Idade Média, nem sempre é por boa razão que se anda com o mundo na cabeça.
Os geógrafos-turistas, satirizados por Sebastian Brant, também o calcorreavam, achando que a obra de Deus podia ser medida e abarcada em sábia passeata.

“Não considero verdadeiramente sábio
Aquele que gasta todo o seu zelo e sentido
A descobrir cidades, países
E parte, de compasso na mão
Para conhece bem a largura da terra,
E a profundidade do mar
(...)Que povos estão nas latitudes,
Se existem, por baixo dos nossos pés,
Também pessoas, ou não existe nada?
Se aí vivem, como se sustentam de pé,
E não caem no ar?
(...) O mestre Plínio acerca disso já dissera
Que é por certo insano
Quem quer abraçar o mundo imenso
(...)Que necessidade tem o homem
de procurar mais alto que ele
sem saber para que isso lhe serve
o que encontrará aí de eminente
quando ignora a hora da sua morte
que corre atrás dele como uma sombra
por mais verdadeira e certa que seja esta ciência


Outros enfiavam-se por ele a dentro, com muita reza e falsa humildade, quando, na verdade, mais não faziam que dobrarem-se ao que era preciso, para melhor levarem a vida.








Com o desenvolvimento do capitalismo, a pregação caritativa pelos malefícios da pobreza passa a ser satirizada pela pelo triunfo do cortejo da Dona Pecúnia.
[clicar na imagem]

Matthaus Greuter , que para além de gravador, também construiu globos terrestres, representou-a “escafandrada”, em cima de rica carroça movida por moedas de ouro, com a bolsa aberta na mão, pedindo uma esmolinha para ajuda.
No insano cortejo de charivari da Morte, incitado pelo demo, seguem-na os poderosos do mundo. Vestem ricas roupas e agarram-se, como cegos, uns aos outros, já que os óculos que usam apenas servem para espelhar a cegueira da ganância que os consome.
Encadeada, vai a reboque a Pobreza com o seu povo, esperando que a roda da fortuna vire a favor deles- e, por força do acaso, a Dona Pecúnia, que tanto serve Deus como o Diabo, se estatele no chão.
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Imagens: 1-Geógrafo: Sebastian Brant,
Stultifera Navis ; 2: Louco a escapar-se para dentro da bolsa, cadeiral de Oviedo (imagem paralela à do macaco a oferecer o traseiro à sereia- todos juntos, por cima do S. Brás); 3: enfiando-se no santo mundo, detalhe dos Provérbios flamentos de Brueghel; 4: Matthäus Greuter (1566-1638), Allégorie exprimant la puissance des richesses et le malheur attaché à la pauvreté, 1589 (imagem divulgada graças ao Peacay)

consultar imagem da alegoria de Greuter:University of Harvard, Baker Library, Historical Collections
Ver também: Ben Johnson ,a propósito da Lady Pecunia na tradição do teatro satírico.

dedicado ao Desfazedor e ao Dragão (também foi só um pretexto)
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Acrescento [17.27h]:
Só agora reparámos que a Pecunia do Greuter também já tinha sido comentada na
Bacia das Almas , blogue que desconhecíamos, mas que se recomenda.

6 comentários:

Elypse disse...

Portanto, nada de novo no que já é velho :)

zazie disse...

Olá. Pois assim parece. Só que agora o boião do mundo, enfiado na cabeça, assemelha-se mais à caixinha da televisão
";O)

aj disse...

obrigado, Zazie; e se for verdade que a morte vem atrás, como uma sombra, até pode ser sinal que temos a luz à frente, o que, não sendo mosquitos, nem esquisitos, anima-me (ligeiramente)

beijos, antónio

zazie disse...

";O)

a mim animou-me foi o teu regresso à blogosfera.

Beijocas

O Réprobo disse...

Querida Zaz,
de uma penada fizeste com que visse com candidez as substituições de administrações bancárias e a extinção da Junta de Turismo aqui da terra. Diz lá que a erudição não traz felicidade!
Jokas

zazie disse...

ahahahahah

É que é mesmo isso. Não inventaram nada. E a dona Pecúnia até é alegoria com mais piada que a do "apertar o cinto".

Beijocas