Estes mouros caseiros há muito que conviviam com as outras minorias, sem motivo para alarmes entre portas. O monarca até os tinha convocado para o festejo da cidade de Évora, todos os tocadores e bailadeiras mouriscas para animar a recepção, ordenando que fossem alimentados pela cidade.
No entanto, a peleja no Norte de África recordava combates bem mais difíceis de vencer que as aventuras marítimas à descoberta.
Terá sido com esta imagem bem presente na fantasia, que o monarca se lembrou de combinar com uns fidalgos uma partida a pregar à rainha e restantes pares que o acompanhavam.
Aproveitando a saída do rei a banhos, nas mesmas águas que, em breve, lhe levariam o filho, decidiram simular uma espera, disfarçados de infiéis.
Apesar da improbabilidade de se tratar de qualquer ataque verídico, Garcia de Resende conta o susto que a chalaça da arremetida escaramuça provocou aos batedores do monarca:
«(...)el Rey com todos se foy ao campo, e indo por elle lhe sahio o Duque dom Manoel, irmão da Raynha, de hua cillada com doze fidalgos de sua casa, todos vestidos de hua maneyra de brocados, e ricas sedas, muy galantes a mourisca, com fuas lanças nas mãos, com bandeyras, e as adargas embraçadas com grande grita como mouros. E, os corredores del Rey que diante eram como hiam descubrir terra, vieram todos fugindo, e bradando alto, Mouros, Mouros».
Isto aconteceu nos tempos em que os bravos se confrontavam corpo a corpo, quando eram os próprios chefes quem avançava à frente das tropas.
Serve o exemplo apenas para se imaginar o que aconteceria no presente se, em vez de batedores de monarca, tivéssemos apoiantes de cartoonistas bêbados, cuja máxima bravura que conseguem desencantar são uns insultos aos imigrantes.
Tenho a certeza que, por cá, com tão ladino “avençado” na luta contra o infiel, eram ludibriados na mesma.
Com a diferença que bastaria que lhes aparecesse ao caminho um anão de toalha amarrada à cabeça e barbas postiças, para desarmagedarem aos gritinhos para dentro do Tejo.
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Garcia de Resende, Crónica de D. João II, Cap. CXXXI(ed. Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1973, p. 192)