Se o macaco da corte manuelina era dotado para o xadrez, o famoso elefante que o monarca ofereceu ao Papa Leão X em 1513, suplantava-o em muito.
A crença nas capacidades intelectuais destes animais atingia todos os sectores sociais. Garcia de Resende assegurava na Miscellania que em Cochim havia elefantes de tal modo amestrados que pronunciavam palavras perfeitamente inteligíveis e o que para cá foi enviado pelo rei de Ormuz até sabia contar. O cornaca que o seguira até ao reino e que dele cuidava, interrogava-o em várias adições numéricas e o animal dava a resposta certa, raspando com a pata no chão o número de vezes do resultado.
Nos Narcóticos, Camilo Castelo Branco recorda outros detalhes mais preciosos relatados por João Pedro Valério numa Hieroglyphica em latim ( Hieroglyphica, sive de sacris Aegyptiorum aliarumque gentium literis commentarii ).
De acordo com as memórias, quando se preparava a magnífica embaixada, o indígena que era íntimo do elefante e também de uma lisboeta por quem se apaixonara, temeu a má sorte de a perder pois iria para Roma juntamente com a alimária. Usou então da especial comunicação que com este partilhava e segredou ao bicho as piores invenções e tratos que teria se aceitasse contentar o rei e o pontífice. Que ia ser assobiado e troçado pela canalha local, que bem podia dizer adeus aos bons petiscos da Ribeira e todos os outros miminhos a que estava acostumado. Isto se lá chegassem com vida, mas ele estava com um mau pressentimento que ainda ia haver desgraça pelo caminho e acabar tudo naufragado sem ver Roma nem Papa.
De tal modo o terá influenciado que quando chegou a sua vez de embarcar, o paquiderme não arredou pé e recusou-se terminantemente a entrar na nau.
D. Manuel não abriu mão do elefante e lá voltaram para trás as trezentas azémolas mais o cavalo persa, as onças, o leopardo, a criadagem, os nobres e o Tristão da Cunha.
Rapidamente chegam zumbidos ao rei do motivo da recusa e D. Manuel também foi lesto. Mandou chamar o cornaca e tais foram os tratos lhe prometeu caso não demovesse o animal que este de imediato trocou a amada pelo coiro.
Confessou então ao Hanno que tinha sido enganado O que lhe havia contado era tudo mentira. Podia ir à confiança; esperavam-no em Roma todas as maravilhas do universo, da comida ao luxo; naquela cidade tudo era esplêndido e quanto ao santo padre o mais que se podia esperar.
Dizem que o poder persuasivo do indígena foi tal que, no dia seguinte, ao embarcar, o elefante para além de sábio já ia convertido.
D. Jerónimo Osório confirma o efeito de tanta doutrina. Ao ser apresentado ao Sumo Pontífice, em pleno Belveder, o bom do nosso Hanno fez-lhe três genuflexões e aspergiu-lhe com a tromba uma boa dose de água de cheiro.
imagem: desenho de Francisco da Holanda, 1538
A crença nas capacidades intelectuais destes animais atingia todos os sectores sociais. Garcia de Resende assegurava na Miscellania que em Cochim havia elefantes de tal modo amestrados que pronunciavam palavras perfeitamente inteligíveis e o que para cá foi enviado pelo rei de Ormuz até sabia contar. O cornaca que o seguira até ao reino e que dele cuidava, interrogava-o em várias adições numéricas e o animal dava a resposta certa, raspando com a pata no chão o número de vezes do resultado.
Nos Narcóticos, Camilo Castelo Branco recorda outros detalhes mais preciosos relatados por João Pedro Valério numa Hieroglyphica em latim ( Hieroglyphica, sive de sacris Aegyptiorum aliarumque gentium literis commentarii ).
De acordo com as memórias, quando se preparava a magnífica embaixada, o indígena que era íntimo do elefante e também de uma lisboeta por quem se apaixonara, temeu a má sorte de a perder pois iria para Roma juntamente com a alimária. Usou então da especial comunicação que com este partilhava e segredou ao bicho as piores invenções e tratos que teria se aceitasse contentar o rei e o pontífice. Que ia ser assobiado e troçado pela canalha local, que bem podia dizer adeus aos bons petiscos da Ribeira e todos os outros miminhos a que estava acostumado. Isto se lá chegassem com vida, mas ele estava com um mau pressentimento que ainda ia haver desgraça pelo caminho e acabar tudo naufragado sem ver Roma nem Papa.
De tal modo o terá influenciado que quando chegou a sua vez de embarcar, o paquiderme não arredou pé e recusou-se terminantemente a entrar na nau.
D. Manuel não abriu mão do elefante e lá voltaram para trás as trezentas azémolas mais o cavalo persa, as onças, o leopardo, a criadagem, os nobres e o Tristão da Cunha.
Rapidamente chegam zumbidos ao rei do motivo da recusa e D. Manuel também foi lesto. Mandou chamar o cornaca e tais foram os tratos lhe prometeu caso não demovesse o animal que este de imediato trocou a amada pelo coiro.
Confessou então ao Hanno que tinha sido enganado O que lhe havia contado era tudo mentira. Podia ir à confiança; esperavam-no em Roma todas as maravilhas do universo, da comida ao luxo; naquela cidade tudo era esplêndido e quanto ao santo padre o mais que se podia esperar.
Dizem que o poder persuasivo do indígena foi tal que, no dia seguinte, ao embarcar, o elefante para além de sábio já ia convertido.
D. Jerónimo Osório confirma o efeito de tanta doutrina. Ao ser apresentado ao Sumo Pontífice, em pleno Belveder, o bom do nosso Hanno fez-lhe três genuflexões e aspergiu-lhe com a tromba uma boa dose de água de cheiro.
imagem: desenho de Francisco da Holanda, 1538