Conta a lenda que o tirano Dionisius de Siracusa encerrava os prisioneiros políticos numa gruta, que tinha a particularidade de ampliar o som, sem provocar eco.
Esta “orelha” suplementar permitia ao tirano controlar todas as palavras que os encarcerados pudessem dizer. Não que temesse qualquer fuga de quem estava detido nestas profundezas subterrâneas, apenas para se certificar se ainda assim conspiravam ou se atreviam a falar mal dele.
[artifício por meio do qual o tirano Dionísio de Siracusa escutava as conversações dos seus prisioneiros, A. Kircher, Phonurgia Nova]
No século XVII, o inventivo jesuíta Athanasius Kirscher (1602-1680) projectou uma variante da orelha de Siracusa, neste caso de efeito contrário. Permitia que uma série de estátuas, encostadas às paredes de um edifício, transmitissem, em coro, o burburinho captado do exterior, por meio de um sistema tubagens. Com um pouco de imaginação, quem fosse a passar descuidado poderia pensar que os espécimes falantes possuíam intelecto, ainda que pouco original.
Vêm estas histórias a propósito de mais umas sábias palavras que JPP proferiu acerca do comportamento dos anónimos da blogosfera, onde teve a amabilidae de me incluir. O texto corre célere por aí e, como até aqui no Cocanha já se pode observar, não faltam os bonecos ocos, à Kirsher, a salmodiá-lo com reverência.
Mas não nos entusiasmemos com intuitos de tiranos e ainda menos com engenhos de um talentoso jesuíta.
Há reminiscências mais aproximadas e caseiras. Uma delas deriva, em linha directa, daquele velho hábito maoísta da análise das intenções que iam na alma dos camaradas. Estes sábios de outrora também lhe costumavam juntar umas pitadas de Guatari, misturada com resumos de Freud, vendidos com prosperidade pela Itau, a par da quinquilharia macrobiótica e de posters para decorar gabinetes de funcionalismo público.
Os tempos mudaram. As novas lutas de classe levam o "nosso" JPP a imaginar-se no lugar triunfante do sábio, incapaz de entender o frenesim opinativo dos que o não sendo (porque possivelmente nunca os viu no Parlamento) não passam por isso de doentes, ressentidos, infelizes e invejosos.
É pena que, do alto do poderoso lugar em que se encontra, não lhes proporcione a mais ligeira oportunidade de deixarem de ser anónimos.
Um honesto convite, sorteado aqui na blogosfera, até podia permitir que qualquer de nós se tornasse seu par lá na UE. Habilitações parece que as há idênticas (e até superiores), opiniões não faltam e num contrato à experiência, aposto que ninguém notaria a diferença no resultado final.
Os portugueses aprendem depressa. E sabem que, de acordo com os padrões mediáticos, para se ser famoso, não é preciso muito. Sucesso é palavra do momento; ser-se figura de referência por trabalho ou talento sério acima da média, é outra.
O JPP, mundialmente famoso, quando assina com o H capital do Historiador, devia lembrar-se destas relativizações. Se não fosse político, provavelmente andava por aí, nas caixinhas dos comentários, como muitos outros. E não teria menos dignidade por isso.
Pela minha parte não via qualquer mal nisso, nem no facto de preferir o estilo filrado do “blogue feito pelos seus leitores”. Sinceramente que só me encanito com esta mania de fingir que não sabe o verdadeiro nome das pessoas. É que eu tenho por hábito de cortesia inclui-lo, sempre que envio alguma prendinha a um “blogger”.
Aquela menina, escondida debaixo da espada do seu antepassado, também não fazia parte de uma esquema maniqueísta, em que o lugar secundário teria necessariamente de disputar visibilidade com a figuração mais oficiosa.
Incluía-se nos apontamentos jocosos, satíricos, anedóticos ou apenas paralelos da marginalia, servindo para propiciar uma visão mais ampla e complexa do mundo. E sempre foi através destes contrapesos que uma boa quota-parte de liberdade se fez passar.