Já que estou ao fogo, e como desde este lugar falo a V.m., e V.m. me ouve, e me perdoa, irá outra não pior história. Confessava-se uma mulher honrada a um frade velho, e rabugento; e como começasse a dizer em latim a confissão, perguntou-lhe o confessor: Sabeis latim? Disse lhe: Padre, criei-me em mosteiro. Tornou-lhe a perguntar: Que estado tendes? Respondeu-lhe: Casada. A que tornou: Onde está vosso marido? Na Índia, meu Padre (disse ela). Então com agudeza repetiu o velho: Tende mão, filha: sabeis latim, criastes-vos em mosteiro, tendes marido na Índia? Ora ide-vos embora, e vinde cá outro dia, que vos é força que tragais muito que dizer, e eu estou hoje muito de pressa.

D. Francisco Manuel de Melo, Carta de Guia de Casados, cap. XXII

4 comentários:

Flávio disse...

Muito giro. Mas eu continuo a preferir o Casamento Perfeito do Paiva de Andrada, que foi injustamente posto na prateleira com o surgimento desta Carta. Dediquei-lhe um dos primeiros posts do meu blogue, no qual fiz uma síntese desse formoso livro.

Um cheirinho:

«visto que este animal [o cágado] era símbolo do recolhimento por não ter voz nenhuma e sair poucas vezes do lugar em que está posto, queriam assim que as mulheres significadas pela imagem de Vénus se lembrassem que tinham a obrigação de falar pouco e andar menos»

(in www.a-bomba.blogspot.com)

Beijinhos, zazie!

zazie disse...

bem lembrado metropolis! estes "espelhos morais" eram tão misoginozinhos mas com tanta graça ":O))

MP disse...

Zazie :),
"mula que faz “im!” e mulher que sabe latim raras vezes têm bom fim..."
Oh pá, querem lá ver que estou tramada?!! :))

zazie disse...

aahahhaa ":O)))