Com dedicatória para os caros bloguistas Lutz e Luís , com quem tenho travado alguns debates mais acesos a propósito da ditadura do politicamente correcto e respectivo jacobinismo persecutório.

“O cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, "proibiu" a ordenação de homossexuais. Melhor seria dizer: reiterou a doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana sobre a matéria. Nada de surpreendente, portanto. Mas, como de costume, houve uma parte da opinião que se indignou e até alguns padres tentaram diluir a coisa ou fingir que se tratava de um acto circunstancial. Em primeiro lugar, veio o argumento de que a Igreja está cercada num mundo que não compreende, e não a compreende, e que Ratzinger, o reaccionário, não se quer "abrir à modernidade". Em segundo lugar, a velha ideia de que tudo não passa de "um acto de desespero", típico de uma instituição "historicamente" derrotada e "perdida". E, por fim, a extraordinária fantasia de que o Vaticano, "por medida de prudência", pretende simplesmente evitar problemas com pedófilos, como os que teve a Igreja americana.
Esta reacção não deixa de espantar e só se explica pela tenacidade do endémico jacobinismo indígena, que aparentemente continua vivo. A Igreja, se goza ainda de certos privilégios, já não domina a política e a sociedade em Portugal. O que ela aprova ou desaprova já não determina ou influencia ninguém, ou quase ninguém. É uma entidade privada, com a sua lei e os seus fiéis, que aceitou cordatamente o "semiliberalismo" do regime e não incomoda ou se tenta impor ao cidadão comum. Claro que defende, como deve, a sua doutrina, usando de resto de um direito universal. Seria estranho que não defendesse. E não se percebe por que razão isso ofende, ou irrita, quem não é católico. Se a Igreja se recusa a ordenar homossexuais, pior para ela. Que homossexual precisa de uma Igreja que o condena e humilha?
Ainda por cima, o cardeal Ratzinger, que li de ponta a ponta como ele merece, sabe muito bem que a Igreja não se tornará a confundir com o Estado ou mesmo com a "ordem" como antigamente era concebida. Não lhe interessa nada "apanhar" o comboio do "tempo". Pelo contrário. Ao "tempo" não tenciona fazer a mínima concessão e não lhe custa a imaginar num futuro próximo uma Igreja de pequenas comunidades, depositárias da verdadeira esperança ou, por outras palavras, da verdadeira fé. Presumo que certos católicos discordam desta visão veementemente. Eles que se arranjem. Agora não me entra na cabeça que se proteste contra o Papa, porque ele é o que é e não o que a maioria agnóstica, ateia ou indiferente gostaria que ele fosse. "

VPV. Público, 25-11-05


8 comentários:

lb disse...

O VPV está a facilitar demais (como é costume). Escreve duma perspectiva de quem está fora e diz aos católicos homossexuais, ou aos que duma ou outra forma discordam do Papa: "Arranjem-se!" Como só existissem as alternativas: Submeter-se sem crítica ou sair.

Acontece que conheço - e sou amigo - duma data de católicos que não aceitam este maniqueismo.

O convite a um crente, homossexual ou não, de sair porque discorda do Papa, é mesmo o cúmulo do cinismo, e só pode vir de quem realmente não sabe o que é fé!

zazie disse...

estavas a pensar em te dedicar à vida cenobita e agora já estás com dúvidas... entendo, entendo... isto é uma chatice as pessoas ainda serem de carne e osso ";O))

mas olha que com um pouco mais de esforço na utopia da linguagem orwelliana pode ser que até se esqueçam da carne e do osso (já para não dizer do pensamento) e passem todos a falar como máquinas. Já é um avanço, o que é preciso é fé e hegemonia na pureza da "normalidade" para todos ":O)))

zazie disse...

fé, pureza, muita doutrina desde pequeninos e um grande, gigantesco estado republicano e laico com leis e normas para tudo

zazie disse...

mas quem eu gostei mesmo de ler foi o Ma-Schamba lá nos comentários do Quase em Português. Porque ele é insuspeito- é ateu. (ateu sem traumas nem paranóias, sem ideologias à msitura, o que é uma coisa muito saudável e um tanto rara nos dias que correm.

zazie disse...

Lutz, eu acho que o VPV mais uma vez está é a dificultar. Porque ele pode ser ateu mas tem costela liberal e coisas de politicamente correcto nunca lhe fizeram o gosto.

E sim, parece que ele nunca teve fé. Inclusivé nos Admiráveis Mundos Novos em que todos seriam iguaizinhos e felizes. À sua maneira de ateu, ele é capaz de pensar o mesmo que um crente- todos nascemos com os nossos pecados e paraíso não existem paraísos na Terra.

De facto só os jacobinos ateus venderam a utopia da igualdade. E uma igualdade fictícia que vai contra o proprio ser do homem só pode ser uma ditadura.

Aqui o Cocanha até foi buscar uma aparente utopia mas um dia destes posto a leitura que dela fez o Rabelais.

Vale a pena ler Rabelais como vale a pena pegar de novo no Huxley ou no George Orwell. Até porque socialmente pensou-se que com a queda dos modelos totalitários o proselitismo dessa ordem estava condenado para sempre. tinha morrido. Mas eu penso que não. Penso até que é dentro das democracias modernas que melhor ele pode surgir. Posso estar muito errada mas é assim que vejo este paulatino avanço tentacular do politicamente correcto.

zazie disse...

e cinismo considero eu querer abolir-se a natureza.
O VPV pode ser cínico politicamente porque é descrente (por isso é que até penso que às vezes escreve aquelas coisas inesperadas sobre o Mário Soares- esse é o esperançoso cheio de vitralidade que ele sabe que nunca foi mas que pensa que também é útil que exista).
Mas neste caso o VPV limita-se ao senso comum e ao realismo. Nem é preciso muito esforço teórico para se dizer isto. Ainda há bocadinho ao telefone uma amiga minha que é totalmente apolítica disse precisamente o mesmo ehehe
a malandra vai denunciar-se, não tarda nada ":O)))

Cinismo é meter o lixo debaixo do tapete, como diz o Cronenberg acerca desta praga dos politicamente correctos. O gajo não pode com essa gente. Têm-no persoeguido e feito censura a tudo o que faz. São inquisodores pois! são hipócritas e malaquinhos contraditórios porque deitam mão de todo o tipo de argumento contraditório.
Tanto lutam pelo direito ao casório e choco dos gay porque sim, porque deve ser tudo às claras, e com muitos meninos e muita normalidadezinha burguesa, como depois lamentam-se que os tipos não possam dar em castos no convento...

zazie disse...

bem mas que se lamentem que a vida também é feita disso- um muro de lamentações, um vale de lágrimas, cada um com a sua cruz e blá blá, desde que não venham com a Constituição... a tal ilegalidade da Igeja perante a constituição ehehehe (a católica, porque as outras se forem minoritárias também são vítimas)
essa é que foi pena não terem desenvolvido mais. Foi mesmo uma peninha...

zazie disse...

mas isto é tão engraçado. Espero que a danada apareça aí e conte umas coisas. A ela até lhe foi uma católica chorosa que se lembrou de lhe ligar para o emprego a lamentar o grande drama ahahaha dos homo que queriam seguir a carreira cenobita e a agora vão ter de se contentar com as paradas gay ":O))))