Uma donzela dos arredores de Nantes tinha um amante a meia légua da sua aldeia. Tinham levado tão longe os encontros, os suspiros e as declarações de amor, que a sua virtude acabou por ceder; e como nestes casos o que custa é só o primeiro passo, anteciparam-se ao casamento, sempre que tiveram ocasião.
Um sábado (foi véspera de S. João), a jovem dirigiu-se um pouco antes da noite a um sítio escuso num bosque onde o amante a deveria esperar. Como ele ainda não tinha chegado, ela começou a lamentar os favores que lhe havia concedido, dando-lhe assim o direito de faltar ao cumprimento das atenções devidas; depois, compensando a falta de respeito pelos prazeres que o seu amante lhe proporcionava, decidiu esperá-lo, temendo aborrecê-lo se faltasse ao encontro; e ao menos para ter o prazer de lhe ralhar.
Todavia, ele continuava a não vir; uma hora de impaciência passou-se a noite começava já a espalhar a sua obscuridade. A jovem fica furiosa e começa a proferir imprecações contra o seu amante, mandando-o para o diabo e dizendo entre dentes que mais valia ter arranjado um demónio que um amante tão pouco fervoroso e que, assim que tivesse ocasião, não teria o menor escrúpulo em lhe ser infiel. Mal pronunciara estas palavras quando vê aproximar-se o dito amante. Preparava-se para lhe dirigir as maiores injúrias, mas ele desculpou-se o melhor que pôde, dizendo que havia sido retido por importantes ocupações, mas que a amava mais do que nunca. A cólera da jovem abrandou. Ele pediu-lhe perdão e ela concedeu-lho; e imediatamente ficaram de acordo. Dirigiram-se para o bosque a fim de se entregarem às volúpias do amor, a noite favorecendo os seus misteriosos prazeres.
Mas, passado pouco tempo, ao julgar entrelaçar o amante nos seus braços a jovem sentiu um corpo peludo, com uma longa cauda que se agitava no ar. “Oh! Meu amigo...” exclamou ela. “Não sou o teu amigo”, respondeu o monstro enterrando as garras nos ombros da camponesa, “ sou o diabo que ainda há pouco evocaste”. Dizendo estas palavras, assoprou-lhe no rosto e desapareceu. A infeliz regressou febril e desvairada à sua aldeia, onde ninguém queria reconhecê-la de tal modo estava desfigurada. Deu à luz um gato preto ao cabo de sete dias e ficou doente para toda a vida.
Collin de Plancy, Dicionário Infernal (1826)
2- tentações pecaminosas numa vocação religiosa perdida
Fuseli, The Nightmare, 1871
3- tentações incestuosas numa família rural
David Lynch, Quem matou Laura Palmer