1-
Uma donzela dos arredores de Nantes tinha um amante a meia légua da sua aldeia. Tinham levado tão longe os encontros, os suspiros e as declarações de amor, que a sua virtude acabou por ceder; e como nestes casos o que custa é só o primeiro passo, anteciparam-se ao casamento, sempre que tiveram ocasião.
Um sábado (foi véspera de S. João), a jovem dirigiu-se um pouco antes da noite a um sítio escuso num bosque onde o amante a deveria esperar. Como ele ainda não tinha chegado, ela começou a lamentar os favores que lhe havia concedido, dando-lhe assim o direito de faltar ao cumprimento das atenções devidas; depois, compensando a falta de respeito pelos prazeres que o seu amante lhe proporcionava, decidiu esperá-lo, temendo aborrecê-lo se faltasse ao encontro; e ao menos para ter o prazer de lhe ralhar.
Todavia, ele continuava a não vir; uma hora de impaciência passou-se a noite começava já a espalhar a sua obscuridade. A jovem fica furiosa e começa a proferir imprecações contra o seu amante, mandando-o para o diabo e dizendo entre dentes que mais valia ter arranjado um demónio que um amante tão pouco fervoroso e que, assim que tivesse ocasião, não teria o menor escrúpulo em lhe ser infiel. Mal pronunciara estas palavras quando vê aproximar-se o dito amante. Preparava-se para lhe dirigir as maiores injúrias, mas ele desculpou-se o melhor que pôde, dizendo que havia sido retido por importantes ocupações, mas que a amava mais do que nunca. A cólera da jovem abrandou. Ele pediu-lhe perdão e ela concedeu-lho; e imediatamente ficaram de acordo. Dirigiram-se para o bosque a fim de se entregarem às volúpias do amor, a noite favorecendo os seus misteriosos prazeres.
Mas, passado pouco tempo, ao julgar entrelaçar o amante nos seus braços a jovem sentiu um corpo peludo, com uma longa cauda que se agitava no ar. “Oh! Meu amigo...” exclamou ela. “Não sou o teu amigo”, respondeu o monstro enterrando as garras nos ombros da camponesa, “ sou o diabo que ainda há pouco evocaste”. Dizendo estas palavras, assoprou-lhe no rosto e desapareceu. A infeliz regressou febril e desvairada à sua aldeia, onde ninguém queria reconhecê-la de tal modo estava desfigurada. Deu à luz um gato preto ao cabo de sete dias e ficou doente para toda a vida.

Collin de Plancy, Dicionário Infernal (1826)








2- tentações pecaminosas numa vocação religiosa perdida

Fuseli, The Nightmare, 1871













3- tentações incestuosas numa família rural

David Lynch, Quem matou Laura Palmer

22 comentários:

MP disse...

Oh Zazie
Estas são estórias para aterrorizar criancinhas!!
Como aquela do papão: "se não comeres a sopa toda, vem aí o papão"!!
:))

Anónimo disse...

ó menina, ó menina, olhe que o concurso dos gajos feios é no outro post.

Estas manias que a zazie em misturar os títulos todos é no que dá. E depois anda aqui um musaranho a orientar as "piquenas" por causa de gajos feios na tela...

palavra que me deviam pagar a peso de ouro para uma coisa destas...

MP disse...

AHAH,

Olha um Mussaranho Coxo :))
Como vai?

Eu não estava a referir ao tipo feio com pinta, referia-me mesmo às estórias de bruxas e quejandos!

Para o tipo 'feio' e com pinta já dei :))

zazie disse...

ups! cá para mim é tudo a mesma coisa. Onde é que já se viu piquenas entusiasmadas com gajos feios ou com cavalgaduras enquanto dormem...

na minha terra não há destas coisas..

Anónimo disse...

é sempre tudo de olho vivo e dentuça bem afiada...

MP disse...

Uhh isso faz lembra a estória do Lobo Mau :))
(Então e o tipo feio e com pinta?!! Será aparentado com o Lobo Mau? :)))

zazie disse...

ora bem, a menina é que me compreende. É claro que isto se resume sempre tudo a uma boa trincadela...
agora com poias de cavalo é que se dispensa, né?

mas os artistas são assim, só se lembram de inutilidades...

timshel disse...

zazie

eu não gosto de cinema (já repeti isto tantas vezes´que já deves saber)

mas o lynch e a laura palmer mereciam uma análise aprofundada com psicoterapia e tudo

zazie disse...

Pois é timshel. Mas olha que já houve quem tentasse e o entrevistasse perguntando todos esses motivos e ele diz que não faz a menor ideia porque nunca leu nada de psicanálise e nem sequer se interessa por explicações racionais ou outras para as suas histórias. A única mania que ele tem de verdade é a tal cena da meditação transcendental. Acho que é mesmo apanhado por isso e a irmã até dá aulas.
Uma vez fiz-lhe essa pergunta no chat e ele disse-me o mesmo :”keep your eye on the donut and not on the hole.”
Ele pode chegar lá, a essas questões todas mas chega pelos sentidos, por formas plásticas e não encontras uma única chave para tudo.
Neste caso achei piada em confrontá-lo com o Fuseli que era um tipo estranhamente recalcado que tudo o que escreveu sobre arte é o oposto do que praticou. Incluindo este quadro com uma modelo por quem se diz que teve grande fixação mas que até era uma feminista. Acabou por casar com outra e a mulher tratou de meter esta a milhas. Ele costumava dizer que a pior coisa que pode haver é uma mulher bonita e inteligente “:O)))

zazie disse...

se eu também fosse muito curiosa era capaz de ficar a matutar porque motivo pode haver quem não goste de cinema. O Dragão também não gosta mas já explicou o caso. Mas ainda assim deixa-me que pergunte: tu não gostas de cinema como muita gente que perfere o teatro ou não gostas de cinema ponto final. E gostas de imagens? de pintura, de desenho, por exemplo? ou só mesmo a arte espiritual que entra pelos ouvidos?

":O)))))

Para mim até o facto de estar num sala de cinema ás escuras já é um prazer quanto mais o que se pode desenrolar na tela. Gosto de evasões da realidade. todas ";O)

zazie disse...

olha, o que nunca consegui gostar foi de ver televisão. De tal modo que ter uma televisão ligada em casa durante o dia é uma coisa que até me causa indisposição. nem sei explicar. Então quando há gente que a liga mal acorda e fica para ali a olhar para o ecrã... é isso e ouvir logo música mal sai da cama.
São coisas estranhas que quase me causam repulsa física

zazie disse...

só uma excepção. gosto de ver um filme de terror na televisão se estiver sozinha em casa e às tantas da noite ":O))))

timshel disse...

zazie

levantas problemas bem complicados

para os quais a psicoterapia seria uma grande ajuda lol:)

digamos que compreendo os talibans

detesto visceralmente as imagens enquanto simbologia

mesmo quando gosto delas :)

zazie disse...

estás a brincar! mas isso dizia o S. Bernardo com medo de desviar a ascese mísitica para a estética (ou vice-versa) porque também sabia que as coisas estavam ligadas...

mas nem te imaginava nada evangélico por isso acredito que seja mais coisa de talibã ehehe as imagens e o riso, ainda por cima...

":O))))

zazie disse...

mas realmente nunca tinha pensado nisso... tu não tens uma única imagem no teu dazibao bíblico... tem piada.

E se tivesses de escolher entre a voz e a escrita o que preferias? um dazibao gravado?

zazie disse...

na pedra looooooooooollll

timshel disse...

"ele diz que não faz a menor ideia porque nunca leu nada de psicanálise e nem sequer se interessa por explicações racionais ou outras para as suas histórias"

é irrelevante

zazie disse...

pois, eu também penso que é irrelevante do ponto de vista artístico. mas creio que é muito mais difícil chegar-se lá por meios apenas plásticos. Ter capacidade para os intuir directamente pelos sentidos (o Bacom dizia o mesmo a propósito da sua pintura- aquilo que entra directamente no sangue)
Mas não sei se estavas a pensar nisto ou se estavas a pensar na cabecinha dele.

Eu acho-o muito interessante porque até é um tipo "normal". Nada problemático, com infância cor-de-rosa. Com família mais que elquilibrada. Todos os pesadelos do Lynch vêm da fantasia. Não encontras por lá nada mais que uma boa loucura normal. Muita excentriciade, muita fantasia, humor e enorme intuição pelo absurdo.
Às vezes dá vontade de o confrontar com o David Cronenberg. Mas neste enconras coisas muito mais complicadas. O que importa é conseguirem mostrar tudo pela linguagem mais simples- por mera linguagem cinematográfica. A teoria no cinema é sempre uma muleta.

zazie disse...

sempre não. também se pode transforma-la em matéria de filme como é o caso do velho Godard de outras épocas

timshel disse...

repara, de modo algum quis dizer que a qualidade artística do lynch fosse o resultado de algum problema psiquiátrico (e mesmo que o fosse)

é irrelevante em dois sentidos: primeiro porque o facto de alguém não dar explicações psicanalíticas para uma criação artística não quer dizer que elas não existam (sem querer com isto significar que o autor é um psicopata obviamente) e, segundo, porque o conteúdo do lynch que apela imenso a um significado psicanalítico torna relevante por isso mesmo a qualidade das suas obras, isto é, elas apelam, de um modo extraordinariamente bem-feito diga-se de passagem, a um mesmo imaginário e a um mesmo background cultural e emocional, consciente e inconsciente, dos milhões de seres individuais que, como eu, se deleitam nele :)

estou cheio de sono

se puder amanhã faço um post sobre isto

zazie disse...

então dorme bem e eu fico toda contente de uma pessoa que nem gosta de imagens gostar do David Lynch ":O)))

zazie disse...

ora muito obrigada pelo Gallo. Só podia vir de uma avó zundapp uma escolha dessas!

cá para mim tenho de alterar o concurso e dizer é que é de gajos com pinta e mainada! o Vincent Gallo para o meu gostinho ganhava já o primeiro lugar mas era na categoria de gajos giros e com super-pinta ":O)))